SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil e os demais países que escolheram a via da regulamentação das apostas na internet precisam buscar um equilíbrio: combater os efeitos nocivos dos jogos sem tornar os sites irregulares mais atraentes do que os regularizados.
Esse limiar, contudo, é difícil de ser encontrado, de acordo com advogados especializados no tema. Nos países europeus mais restritivos, o mercado regulado e tributado tem dificuldades para atrair jogadores, que continuam em portais obscuros para fugir de impostos. Nos Estados Unidos, por outro lado, se espalham publicidade sem controle e os relatos sobre jovens endividados.
No Brasil, o texto final da regulação de apostas, composto por uma lei aprovada em dezembro do ano passado e portarias publicadas pelo Ministério da Fazenda até o mês de agosto, bebeu dessas fontes e divide a sociedade.
Integrantes do Programa Ambulatorial do Jogo Patológico (PRO-AMJO), do Instituto de Psiquiatria da USP, afirmam que as restrições em relação à publicidade e ao horário de jogo no país são insuficientes em comparação ao que se vê na Europa.
Os pesquisadores do Instituto de Psiquiatria criticam também a falta de investimento em saúde: a partir de 2025, as casas de apostas terão de pagar 12,5% de imposto sobre os lucros que auferirem na banca, dos quais 2,5% serão dedicados ao tratamento da ludopatia o vício em apostar.
As associações de bets, por sua vez, afirmam que uma alta taxação e regras rígidas espantarão as empresas interessadas em atuar seriamente, abrindo caminho para sites ilegais.
“Nos Estados Unidos, o mercado paralelo é praticamente inexistente, porque existem ações firmes contra a ilegalidade e, ao mesmo tempo, existe uma flexibilidade que favorece o operador que quer realmente trabalhar de forma correta”, diz o diretor de comunicação da ANJL (Associação Nacional de Jogos e Loterias), Leonardo Benites.
Estudo feito pelo departamento de economia da Universidade de Leipzig, na Alemanha, mostrou que 50,9% das apostas no país têm sites irregulares como destino.
As leis americanas para apostas na internet variam entre os sete estados da federação que licenciam bets. A outorga de alguns desses territórios, por exemplo, proíbe caça-níqueis online, como o jogo do tigrinho, mas é possível operar, hoje, em 38 estados e no Distrito de Columbia com uma licença local.
Na União Europeia, por sua vez, há um regramento básico para compartilhamento de informação entre os países, mas cada membro do bloco pode formular suas próprias regras. A Austrália e a Inglaterra estão entre as pioneiras do mercado regulado de apostas e escolheram abordagens mais liberais.
REGULAÇÃO DE ANÚNCIOS
As regras para publicidade estão entre as que mais variam de território a território.
A Moldávia, por exemplo, proíbe a propaganda de casas de apostas na televisão e na internet. Outros países, como Alemanha, Portugal, Holanda, Bélgica, vetam anúncios em determinados horários em geral, são permitidos apenas no fim da noite ou na madrugada.
Outros membros do bloco proíbem apenas publicidade feita por menores ou direcionada a eles e instituem um regime de responsabilidade, em uma abordagem similar à de Estados Unidos, Inglaterra, Austrália e agora Brasil.
Por aqui, as casas de apostas terão responsabilidade jurídica pelo cumprimento das regras e estarão sob fiscalização da Secretaria de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda. Responderão legalmente também pela mensagem de seus afiliados espécie de revendedores terceirizados da marca. No caso da publicidade, influenciadores que divulgarem as casas de apostas compartilharão da responsabilidade.
No território Alemão, é proibido promover apostas com marketing de influência, programas de afiliados ou matérias pagas em jornais.
RETORNO AO JOGADOR
Outra preocupação da legislação brasileira foi a instituição de uma taxa mínima de retorno ao jogador RTP (return to player no jargão). Trata-se da percentagem do dinheiro apostado que volta ao apostador, caso ele jogue infinitamente (a Fazenda definiu o índice mínimo em 85%). Nesse caso, de cada R$ 100 apostados, R$ 85 voltariam ao apostador, na média de todos os jogos.
Como as apostas são eventos aleatórios, cada pessoa pode ter uma experiência individual bem diferente dessa média de retorno. Parte dos jogadores pode ganhar dinheiro e outra perder tudo. Na Europa e na Austrália, há acusações na Justiça de que o RTP seria uma propaganda enganosa.
Na Inglaterra e em alguns estados dos EUA não há definição de retorno ao jogador mínimo.
“No mercado paralelo brasileiro, não há nenhum tipo de controle com relação ao RTP praticado, e alguns operadores que não aplicaram para licenciamento usam RTPs muito piores do que 85%, porque eles não têm uma uma visão de manutenção no mercado a longo prazo”, diz Benites, da associação de jogos. Para ele, o indicador dá transparência ao jogador.
LAVAGEM DE DINHEIRO
Para coibir a lavagem de dinheiro, deverá haver duas abordagens. As bets, no Brasil, deverão ter quadro societário com reputação ilibada, além de bons antecedentes criminais e histórico administrativo. Deverão ainda abordar estratégias de monitoramento do cliente, para detectar transações suspeitas. Toda aposta de mais de R$ 10 mil, por exemplo, deverá ser relatada ao Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
De acordo com o professor de direito da USP Gustavo Badaró, o monitoramento de movimentação do dinheiro funciona de maneira similar em quase todos os países do mundo cada um tem uma unidade de monitoramento financeiro, como o Coaf do Brasil, e esses órgãos cooperam entre si. Hoje, são 215 nações associadas ao Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional) que coordena essa atuação no mundo.
REGRAS CONTRA JOGO COMPULSIVO
O monitoramento de transações ligadas a uma pessoa, o que no Brasil será feito pelo CPF, também serve para encontrar padrões de jogo compulsivo e bloquear o acesso do apostador às plataformas. As apostas terão de ser pagas à vista, saindo da conta do jogador para a conta da bet.
Uma das recomendações de profissionais da saúde é limitar o horário de acesso ao jogo pela madrugada. Na Itália, por exemplo, é proibido apostar entre as 2h e as 6h da madrugada. A medida, porém, não está contemplada na regulação brasileira nem em outros países da Europa ou nos Estados Unidos.
O mercado é resistente à medida, já que a maioria das apostas ocorre depois das 22h. Um executivo disse à reportagem que seria o horário nobre das bets.
QUADRO SOCIETÁRIO
Há, contudo, mais ou menos rigor entre os critérios para os donos de bets. Nos estados americanos, assim como no Brasil, existe a obrigatoriedade de haver um sócio nacional por trás do site. Alguns países europeus dispensam esse critério, contanto que a plataforma esteja licenciado pela autoridade competente.
Na versão inicial do marco regulatório, expedido pela Fazenda como medida provisória, havia ainda a exigência de que 20% do capital da empresa ficasse retido no Brasil, para facilitar cobrança de impostos e indenizações. A medida, contudo, foi derrubada no Congresso Nacional, de acordo com o advogado especializado Rubio Teixeira, da Octus, uma empresa especializada em licenciar sites de aposta.
Para Rubio Teixeira, é necessário esperar para ver como será a fiscalização e a implementação das regras antes de fazer comparações. “A falta de clareza em relação a alguns pontos da legislação e a capacidade da SPA em fiscalizar o mercado efetivamente geram incertezas para o futuro.”
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AVANÇO DAS APOSTAS ONLINE NO MUNDO
Dados são do centro de estudo GREO, em Ontario no Canadá
1994
Liechtenstein é o primeiro país a vender bilhetes de loteria na internet
1996
Cassino InterCasino, de Antigua, passa a aceitar depósitos online
Entre 1996 e 1997
Antilhas Neerlandesas, República Dominicana, Costa Rica, Belize e Panamá passam a licenciar sites de apostas e cassinos online
1996
Eurobet começa a oferecer apostas esportivas online na Inglaterra
1996
Centrebet começa a oferecer apostas online na Austrália
1996
Loteria Nacional da Finlândia começa a licenciar loterias online
1997
Território indígena em Idaho licencia a primeira loteria online dos Estados Unidos
1998
Gibraltar começa a licenciar sites de apostas
1999
Tribo Kahnewake Mohawk começa a licenciar apostas em Ontário no Canadá
2001
Austrália aprova ato para regular apostas online
2004
Lançamento do primeiro cassino online legal do Canadá, no Estado de British Columbia
2005
Reino Unido atualiza sua lei de apostas para acolher os cassinos online
2009
França aprovou lei para regular e taxar sites de apostas. À época, existiam 25.000 sites ilegais no país
2012
Estado de Schleswig-Holstein passou a licenciar bets na Alemanha
2013
O estado de Delaware é o primeiro nos Estados Unidos a regularizar jogos de cassino online
2015
Portugal aprova leis para criar um mercado regulado de apostas
2018
Província de Buenos Aires, na Argentina, regula apostas online
2018
Michel Temer legaliza apostas esportivas online, sem definir regras
2023
Brasil aprova lei para regular mercado de apostas