Grandes descobertas estão ficando mais raras e a distância entre cientistas pode ser o motivo

SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Organizar colaborações de longa distância entre cientistas nunca foi tão fácil, o que deveria agilizar a criação e circulação de ideias inovadoras mundo afora. Deveria, mas não é bem isso o que está acontecendo, sugere um novo estudo: equipes de pesquisa com membros muito distantes entre si seriam menos capazes de fazer grandes descobertas ou criar tecnologias nunca vistas antes, segundo o trabalho.

Em termos relativos, a diferença na capacidade de inovação das pesquisas feitas via colaborações à distância não parece estrondosa. Segundo os cálculos do estudo, liderado por Carl Frey, da Universidade de Oxford (Reino Unido), e Lingfei Wu, da Universidade de Pittsburgh (Estados Unidos), os trabalhos em que predomina esse tipo de cooperação teriam uma probabilidade entre 5% e 12% menor de produzir inovações de impacto. Haveria mesmo um problema aí?

“Essa mudança reflete o que vemos em milhões de equipes de pesquisa ao longo de 60 anos, em vários campos de pesquisa e regiões. Quando consideramos a escala planetária dos dados ao longo de décadas e a natureza persistente dessa tendência, o efeito, na verdade, é substancial”, argumentou Wu em entrevista à Folha de S.Paulo.

Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores de fato peneiraram um conjunto gigantesco de dados, apresentado na edição desta semana da revista especializada Nature. De um lado, analisaram mais de 20 milhões de artigos científicos, publicados por 22 milhões de cientistas de mais de 3.500 cidades ao redor do mundo, entre 1960 e 2020. Os artigos ajudam a traçar a trajetória da pesquisa que é compartilhada diretamente com os cientistas da mesma área, sem uma aplicação comercial direta.

Por outro lado, os autores do novo estudo também mapearam mais de 4 milhões de pedidos de patentes, ou seja, inovações tecnológicas formalmente registradas, por quase 3 milhões de inventores, entre 1976 e 2020. As patentes são importantes porque dão uma medida das descobertas para as quais há a intenção de dar uma aplicação econômica mais direta.

Uma das motivações do trabalho foi investigar por que “as descobertas científicas não se aceleraram do jeito que muitos tinham predito com o advento da era da internet, conforme estudiosos mundo afora se tornaram mais interconectados”, explica Frey. Outros estudos já tinham indicado que inovações realmente “disruptivas” –capazes de mudar significativamente um ramo da ciência e tecnologia– têm aparecido mais raramente nas últimas décadas.

Uma das hipóteses dos pesquisadores é que o crescimento das colaborações de longa distância poderia estar dificultando o contato direto entre cientistas que ajuda a montar as peças do quebra-cabeças e ter insights que vão além do que já é conhecido. Para testar a ideia, eles mapearam as localizações geográficas dos pesquisadores e inventores do seu banco de dados e, ao mesmo tempo, desenvolveram uma medida designada como “pontuação D” (de “disrupção”), cujo objetivo era estimar quão inovadora seria cada pesquisa ou patente.

Para tentar evitar a subjetividade nessa medição, os pesquisadores usaram algo relativamente fácil de levar em conta: as citações. Artigos científicos muito citados tendem a ser os mais influentes (apesar de várias exceções). O pulo do gato, no entanto, foi classificar como mais disruptivos os estudos que, depois de publicados, passam a ser citados sempre em pesquisas futuras, enquanto os trabalhos da mesma área que vieram antes vão deixando de ser citados.

Isso mostraria que determinado trabalho ajudou a “virar a página” (ou “mudou o paradigma”, como se diz no jargão) de determinada área, tornando-se o padrão ou grande base dali por diante. Seguindo essa lógica, o estudo de 1953 que descreve pela primeira vez a estrutura da molécula de DNA faz parte do 1% de estudos mais disruptivos da história, enquanto o rascunho do genoma humano, publicado em 2001 e considerado um marco na época, está entre os 10% menos disruptivos.

O cruzamento dos dados mostrou que, de um lado, a distância média entre membros de equipes científicas explodiu ao longo das últimas décadas, de uma média de 100 km para 1.000 km no caso de artigos e de 250 km para 750 km no que diz respeito às patentes. As colaborações de longuíssima distância -de equipes separadas por 2.500 km ou mais, por volta da distância entre a costa do Brasil e a da África Ocidental- saltaram de 2% para 15% do total de artigos.

Entretanto, a probabilidade de um artigo ser considerado disruptivo cai de 28% para 22% em distâncias de colaboração com mais de 600 km, e de 67% para 55% no caso das patentes.

“Não queremos dar a impressão de que colaborações internacionais de pesquisa são desimportantes”, pondera Frey. “Por exemplo, as colaborações sino-americanas foram muito importantes para a transferência de conhecimento e a ascensão da ciência chinesa. O que nosso artigo sugere é que essas colaborações têm menos probabilidade de produzir grandes descobertas.”

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