SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O incêndio que atingiu uma estrutura da exposição de “Castelo Rá-Tim-Bum” montada em frente ao Solar Fábio Prado, no início do mês passado, aumentou as preocupações do setor cultural sobre o modo como a Fundação Padre Anchieta administra não apenas o casarão neoclássico na zona oeste de São Paulo, mas também a TV Cultura, emissora que completou 55 anos em junho.
O incêndio foi controlado e não houve vítimas. O que parece estar longe de ser debelada, no entanto, é a crise que se alastra pela TV Cultura. Em setembro, 116 pessoas foram demitidas e oito programas foram suspensos em razão de problemas financeiros. A emissora tem 841 funcionários contratados via CLT.
A emissora nega que esteja passando por dificuldades e atribui os cortes à diminuição de receitas publicitárias e recursos provenientes da prestação de serviços para outras empresas. Por isso, diz que suspendeu gravações de programas, levando em conta critérios como o faturamento e o índice de audiência das atrações.
Segundo o canal, as gravações de algumas das atrações já reiniciaram. “Outras devem ser retomadas em momento oportuno, assim como colaboradores podem ser recontratados pela emissora”, diz a empresa, acrescentando que outros 16 programas devem estrear em dezembro.
Sob condição de anonimato, funcionários demitidos dizem que a crise financeira se faz sentir no ambiente de trabalho, descrito como precário por um deles. Um profissional afirma que precisou comprar com recursos próprios equipamentos como microfones para fazer gravações externas.
A reportagem também conversou com profissionais que ainda atuam na empresa. Segundo eles, a emissora de fato sofre com defasagem de equipamentos.
Dizem que, quando acontece a compra de novos materiais, eles são destinados ao jornalismo, de modo que outros departamentos ficam desassistidos. Os funcionários afirmam também que o clima nos bastidores da emissora é de ansiedade e incertezas desde que as demissões aconteceram.
Em nota, a emissora também nega que profissionais usem equipamentos próprios para trabalhar e diz ter investido mais de R$ 5 milhões no ano passado na compra de instrumentos de trabalho.
No ar desde 1969, a TV Cultura é gerida por um conselho formado por 47 membros, entre eles representantes do governo e da sociedade civil.
Parte do orçamento que mantém o funcionamento da Fundação Padre Anchieta vem do governo estadual. O restante é captado pela própria instituição, por meio de serviços como venda e licenciamento de produtos.
Como mostrou a coluna Painel, o governo Tarcísio enviou para a Assembleia Legislativa de São Paulo uma proposta orçamentária que prevê R$ 211 milhões para a fundação no ano que vem. Neste ano, foram R$ 208 milhões.
No entanto, o orçamento deixa de fora recursos para investimentos e custeio de serviços como luz, água e recuperação de imóveis.
No começo deste ano, o governo congelou R$ 12 milhões do orçamento da fundação. Em anonimato, um integrante do conselho curador diz que bloqueios são comuns no começo do ano, mas avalia que este último se estendeu demais, o que teria comprometido a gestão da empresa. O dinheiro foi liberado em setembro. Em nota, a emissora diz que a suspensão das gravações não teve a ver com o governo do estado.
O bloqueio aconteceu em meio à escalada das tensões entre o governo estadual e a direção da emissora. Como mostrou reportagem em abril, o canal temia uma investida da gestão de Tarcísio contra sua independência.
Um dos estopins se deu em janeiro do ano passado, quando a emissora exibiu o documentário “O Autoritarismo Está no Ar – 3 Anos Depois”, sobre os riscos do avanço da extrema direita.
Após críticas dos deputados Eduardo Bolsonaro e Mario Frias, a produção foi retirada do perfil do YouTube da emissora. À época, a empresa disse que tirou o vídeo do ar para fazer ajustes técnicos, mas que republicou o documentário após as correções.
De acordo com membros do conselho curador, a relação entre o governo e a fundação está menos tensa em comparação ao começo do ano.
No final de julho, houve um jantar entre Tarcísio, Marilia Marton, secretária estadual de Cultura, e José Roberto Maluf, presidente da fundação, para discutir a TV Cultura. No encontro, que aconteceu no Palácio dos Bandeirantes, o governador teria pedido mais eficiência na emissora.
Essa, aliás, é uma demanda recorrente do entorno de Tarcísio. Um dos que defendem isso é Aldo Valentim, integrante do conselho curador e diretor de sustentabilidade do Ministério do Turismo.
Segundo Valentim, uma forma de superar os problemas financeiros é desenvolver parcerias que aumentem o faturamento da fundação.
“Ela poderia ser um ‘hub’ de tecnologia e de conhecimento na área do audiovisual, oferecendo serviços para pequenas e médias produtoras de São Paulo”, diz. “Para isso, a diretoria executiva e nós, os conselheiros, precisamos cumprir um rito, discutindo despesas e programas que não estão dando audiência.”