Tim Burton abre Festival de Veneza entre o vigor e a reciclagem de ‘Beetlejuice 2’

VENEZA, ITÁLIA (FOLHAPRESS) – Foi apostando na descontração e no saudosismo que o Festival de Veneza deu largada para sua 81ª edição, na manhã desta quarta, 28. O filme eleito para abrir o evento, “Os Fantasmas Ainda se Divertem: Beetlejuice Beetlejuice”, exibido fora da competição, é a continuação de uma das comédias mais cultuadas dos anos 1980, que se tornou um inesperado êxito por sua capacidade de falar sobre a morte de modo bem-humorado e inventivo.

No delirante “Os Fantasmas se Divertem”, de 1988, Tim Burton abria caminho para sua carreira de tipos e filmes tão estranhos quanto carismáticos, tornando-se um dos diretores mais conhecidos mesmo fora de ambientes mais cinéfilos.

Seu novo longa, que retoma a maior parte dos personagens do anterior mais de três décadas depois, é a chance de o cineasta voltar a um projeto bem-sucedido no cinema depois de um bom tempo deixando público e crítica a ver navios.

Se no streaming o cineasta conseguiu certa reabilitação em 2022, com a série “Wandinha”, nas salas talvez seu último êxito verdadeiro tenha sido “Alice no País das Maravilhas”, de um já longínquo 2010.

O filme de 1988 trazia diversas situações inusitadas, mas a trama era bem simples: um casal de mortos contava com a ajuda de um fantasma de caráter muito peculiar para espantar pessoas que queriam comprar a casa onde moravam. E isso era basicamente tudo, ou seja: uma bobagem sem tamanho, mas que justamente por não ter pretensão de ser muito mais do que isso se tornou um filme tão querido.

Esse desprendimento da realidade permitia que a trama abarcasse as loucuras mais inimagináveis —o descompromisso com a seriedade era o salvo-conduto que deixava Burton abarrotar seu filme de originalidade e esquisitices.

“As pessoas sempre pediram uma continuação, mas eu sinceramente nunca entendi por que o filme fez tanto sucesso”, disse o diretor, em conversa com a imprensa de Veneza, na manhã desta quarta.

“Com a idade, a vida toma caminhos inesperados, e eu meio que me perdi. Mas este filme me permitiu me reenergizar”, afirmou, descartando as suspeitas de que o projeto seria apenas uma forma conseguir dinheiro em cima de um sucesso talvez garantido. “Um filme como este teria que ser algo vindo do coração e que eu quisesse dirigir de fato.”

A adolescente do primeiro filme, Lydia, vivida por Winona Ryder, surge agora já de meia-idade, mas ainda sem saber lidar com sua capacidade de ver fantasmas perambulando por aí. Mas ainda mais complicado para ela é o trato com a filha Astrid, interpretada por Jenna Ortega —de “Wandinha”—, uma jovem que recicla a personagem de Ryder no primeiro filme. Ela acha a mãe ridícula e sofre bullying no colégio pela sua própria estranheza.

Quando ela conhece um rapaz bonitão, vivido por Arthur Conti, que demonstra interesse genuíno por ela, algo inesperado acontece, e a garota vai parar no mundo dos mortos. Lydia não vê outra saída para resgatar a filha a não ser fazer o que jamais imaginava: invocar novamente a presença do fantasma Beetlejuice, interpretado por Michael Keaton, ainda apaixonado e disposto a tudo para se casar com ela.

Voltar a um universo como o de “Os Fantasmas se Divertem” tem um lado bom e outro ruim. O bom é que a liberdade de inserir situações absurdas é quase total, então o diretor pode dar asas à própria imaginação com folga —e Burton o faz com vivacidade.

Mas o ruim é que o frescor da mirabolante trama original jamais poderá ser repetido, então a continuação obviamente nunca terá o mesmo sabor de novidade. Já nasce com algum aroma de naftalina.

Os personagens de Geena Davis e Alec Baldwin não aparecem desta vez, mas o filme traz o reforço de Danny DeVito, Monica Bellucci, Justin Theroux e Willem Dafoe —todos meio desperdiçados, infelizmente. O melhor do longa fica mesmo com os que participaram do anterior.

Há em “Os Fantasmas Ainda se Divertem” trechos bastante engraçados, como as cenas em que Catherine O’Hara usa o próprio luto para criar sua arte afetadamente pós-moderna, que exibe em instalações, vídeos e performances de uma galeria descolada. Ou mesmo muitas cenas com o próprio Keaton, mais uma vez tirando de letra o papel do fantasma/demônio Beetlejuice.

Mas Burton nem sempre consegue boas soluções para materializar as extravagâncias do roteiro, e a cena ápice, em que o elenco todo dubla a canção “MacArthur Park”, hit sessentista de Richard Harris, é mais propriamente tola do que divertida.

Como um todo, porém, o filme equilibra tolice e diversão em uma boa dosagem; melhor ver esses personagens exercendo livremente sua maluquice do que os heróis tediosamente tratados como eternas vítimas dos filmes mais certinhos do diretor.

As exibições dos longas em disputa pelo Leão de Ouro começam nesta quinta, dia 19. O júri, presidido pela atriz francesa Isabelle Huppert e que conta com o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho como um de seus membros, revelará no próximo dia 7 os vencedores desta edição, que inclui os aguardados novos filmes do espanhol Pedro Almodóvar, “The Room Next Door”, do chileno Pablo Larraín, “Maria”, do americano Todd Phillips, “Joker: Loucura a Dois”, e do brasileiro Walter Salles, “Ainda Estou Aqui”.

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