Tarcísio sofre desgaste na segurança, e governo se mobiliza para manter vitrine

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O assassinato de um homem à luz do dia no aeroporto de Guarulhos no último dia 8 levou para o centro do debate a segurança pública na gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos), tema eleitoralmente sensível e que vinha sendo usado pelo governador como vitrine –o discurso linha-dura agrada ao seu público da direita.

Tarcísio fala em concorrer à reeleição em 2026, mas também é visto como presidenciável, dada a inelegibilidade de Jair Bolsonaro (PL). Já seu secretário da Segurança, Guilherme Derrite (PL), é mencionado entre partidos da base como possível candidato ao Senado, a vice-governador ou até a governador, caso Tarcísio dispute o Planalto.

Antônio Gritzbach, 38, morto com tiros de fuzil na área de desembarque do aeroporto de Cumbica, era ameaçado pela facção criminosa PCC e tinha fechado um acordo de delação premiada. As hipóteses investigadas envolvem policiais que faziam a escolta do empresário, policiais delatados por ele ou acerto de contas na facção, já que Gritzbach lavava dinheiro para o PCC.

Horas após o assassinato, como mostrou a Folha, Derrite participou de uma festa com policiais na praia de Maresias, no litoral. Tarcísio não quis se manifestar sobre o assunto.

Respaldado por Tarcísio até aqui, Derrite é por vezes visto como seu sucessor. A pedido do governador, o secretário cancelou uma viagem que faria dias após o crime para participar de uma conferência sobre segurança pública nos Estados Unidos.

Aliados de Tarcísio avaliam que, no primeiro momento, o impacto da morte de Gritzbach pode ser negativo, mas não a ponto de abalar a popularidade do governador ou causar danos eleitorais futuros.

Mesmo na direita, contudo, há políticos que veem a propaganda de tolerância zero descolada da realidade, dada a sequência de crimes de repercussão e a morte de um policial da Rota, em fevereiro. Ainda assim, eles afirmam que, entre bolsonaristas, a imagem de Tarcísio e Derrite segue positiva, principalmente em comparação com as posições da esquerda e do governo Lula (PT) em relação à segurança.

“O governo está perdido nesse quesito PCC. Fala grosso, mas é muita ostensividade e pouco resultado”, diz o deputado estadual de oposição Reis (PT), que já foi policial civil.

Para ele, a morte do delator “é o crime dizendo que está mais poderoso que o Estado”. Reis, porém, afirma que esse fato teve “alcance pequeno para derreter a imagem do governador, porque ele e Derrite são marqueteiros”.

Na semana passada, Tarcísio afirmou que facções criminosas deveriam ser classificadas como organizações terroristas. “Determinados benefícios não podem ser acessíveis a pessoas que fazem parte da facção”, disse.

Nas redes sociais, o governador declarou que os “responsáveis serão severamente punidos” e que “o crime organizado seguirá sendo duramente combatido em São Paulo”.

Com o ataque no aeroporto, caso que expõe o poder do crime organizado no estado, é a quarta vez em menos de um mês que o governo Tarcísio se encontra em crises envolvendo a segurança.

No dia 5, o menino Ryan da Silva Andrade Santos, 4, foi morto em uma operação policial em Santos. Um adolescente de 17 anos também morreu. Em outubro, o prefeito de Taboão da Serra (SP), José Aprígio (Podemos), que era candidato à reeleição, sofreu um ataque a tiros.

Já o PCC se tornou assunto na eleição na capital paulista –a violência foi a principal preocupação do eleitor e deve manter protagonismo na eleição de 2026.

Apoiado por Tarcísio, o prefeito reeleito Ricardo Nunes (MDB) foi questionado pela infiltração da facção em empresas de ônibus e, durante a votação do segundo turno, o governador afirmou, sem apresentar provas, que o PCC havia orientado voto em Guilherme Boulos (PSOL), o que lhe rendeu ações na Justiça Eleitoral.

À frente da Segurança, Derrite foi responsável pelas operações Escudo e Verão, que somaram mais de 90 mortos na Baixada Santista, além de cinco policiais. A Operação Verão é a mais letal da história da PM paulista desde o massacre do Carandiru, em 1992. Questionado, Tarcísio disse não estar “nem aí”.

A gestão também ficou marcada pelo vaivém em relação às câmeras nos uniformes da polícia, que acabaram adotadas –nas mais recentes, o policial poderá escolher ligar ou não o equipamento.

Para minimizar os efeitos da morte no aeroporto, aliados de Tarcísio têm dito que se trata de um caso pontual, que o governo formou uma força-tarefa em resposta, que o problema da violência é endêmico e que o PCC já desafiou o Estado muito antes, na onda de ataques de 2006.

Entre o público de direita, o caso é visto como um justiçamento entre bandidos e, portanto, a responsabilidade não recaiu sobre Tarcísio ou Derrite. Pelo contrário, o discurso é o de que o episódio ajuda a justificar o aumento da letalidade policial, pois mostra o nível de violência do crime organizado, que exigiria uso da força à altura.

Apesar de Tarcísio se apresentar como técnico e não encampar todas as teses do bolsonarismo, a segurança pública linha-dura é uma bandeira do governador. De janeiro a novembro de 2024, ele fez 17 postagens no X sobre esse tema.

Ele costuma usar frases de efeito como “bandido não terá vez aqui em São Paulo”, “vamos sufocar a ação criminosa em nosso estado”, “não vamos dar trégua” e “não daremos espaço para a bandidagem”.

Pesquisador de segurança pública e professor da Sciences Po, Gabriel Feltran diz que Tarcísio “apoia seu secretário da Segurança, que foi acusado por 16 homicídios, numa política de midiatizar a ampliação da letalidade policial”.

“É isso que eles acreditam funcionar para ter votos, usando a insegurança como mercadoria política. Tem bastante gente que gosta disso. Eu não”, diz à Folha.

CRISES DA DUPLA TARCÍSIO E DERRITE NA SEGURANÇA

Morte de delator do PCC

Antônio Gritzbach, 38, jurado de morte pela facção paulista PCC (Primeiro Comando da Capital), foi morto a tiros de fuzil na tarde do dia 8, na saída do Aeroporto de Guarulhos. Em um acordo de delação premiada, Gritzbach havia acusado policiais de envolvimento com o crime organizado.

Festa em Maresias

A pedido de Tarcísio, Derrite cancelou uma viagem aos EUA que faria dois dias após o caso. No entanto, horas depois do crime, foi a uma festa de aniversário em uma casa de shows à beira-mar na praia de Maresias, acompanhado de policiais da cúpula do estado.

Morte do menino Ryan

Ryan da Silva Andrade Santos, 4, brincava na rua com outras crianças quando foi atingido por um disparo durante uma operação da polícia no Morro de São Bento, em Santos, litoral paulista, na terça-feira (5). O pai da criança havia sido morto em uma outra operação, em fevereiro deste ano.

Orientação de voto do PCC

No dia do segundo turno, Tarcísio afirmou, sem apresentar provas, que integrantes do PCC orientaram voto em Guilherme Boulos. O candidato do PSOL chamou a fala de criminosa e entrou com ação na Justiça Eleitoral pedindo a inelegibilidade de Tarcísio e de Nunes. Na semana seguinte, o governador evitou a imprensa e não quis falar sobre o caso.

Ataque ao prefeito de Taboão

O prefeito de Taboão da Serra (SP), José Aprígio (Podemos), 72, sofreu um ataque a tiros e foi atingido no ombro, dentro do carro oficial blindado, em outubro. Ficou internado uma semana.

Associação entre o PCC e empresas de ônibus

A operação Fim da Linha, deflagrada em abril, mira duas empresas de ônibus que operam na capital e são suspeitas de lavar dinheiro para a facção criminosa. O tema apareceu na eleição, e Ricardo Nunes (MDB) foi questionado.

Aumento da letalidade e ‘nem aí’

Foram 110 mortes pela PM na Baixada Santista, considerando operações e casos em que os agentes estavam de folga. “O pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse Tarcísio em março.

Câmeras nos uniformes da PM

Na campanha, Tarcísio disse ser contra e que equipamento inibiria os policiais. Depois, voltou atrás e manteve as câmeras, mas cortou verba do programa e adotou mais recentemente modelo em que os agentes têm o poder de ligar e desligar o aparelho.

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