Sociedades médicas relatam complicações e mortes causadas por hormônios manipulados

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O uso de hormônios manipulados teria levado a duas mortes e a um total de 257 complicações médicas, segundo levantamento da plataforma Vigicom Hormônios, criada pela SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia).

As mais afetadas são as mulheres (63%) e, em 45,9% do total de casos, os hormônios foram usados para fins estéticos, o que é proibido por uma resolução do CFM (Conselho Federal de Medicina). A SBEM chama os números de “alarmantes”.

Os dados foram compilados a partir de agosto. Os relatos são feitos por denúncias de médicos e consideram episódios retroativos, que podem ter acontecido no último ano.

Segundo a plataforma, a morte por infarto agudo do miocárdio foi provocada por um implante de testosterona em um homem. A causa do segundo óbito foi tromboembolismo pulmonar pelo uso de implantes e adesivos com o mesmo hormônio, mas em uma mulher.

Não à toa, a testosterona ocupa o topo da lista no total de complicações no período, representando 54,4% dos casos.

Nos últimos anos, o hormônio passou a ser receitado a mulheres jovens para ganho de massa muscular, melhora na disposição e ganho de libido sexual — as chamadas “reposições hormonais”.

Apesar disso, médicos afirmam que não existem doses baixas de testosterona em mulheres antes da menopausa.

Representantes da sociedades médicas só o recomendam na menopausa, no chamado “desejo sexual hipoativo”.

O diagnóstico é feito após a exclusão de hipóteses como a falta de desejo sexual na parceira ou parceiro, além de exames de sangue.

Apesar disso, o uso é controlado e em doses menores em relação aos implantes produzidos em farmácias de manipulação e que não contam com supervisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), afirmam especialistas.

Entre os homens, a testosterona também tem sido usada para melhorar o desempenho atlético, ganho acelerado de massa muscular e também perda de gordura. Mas pode provocar o efeito reverso e impedir que o organismo masculino produza hormônio naturalmente. As consequências vão de impotência à quadros de depressão.

Entre os pacientes que os utilizaram, 20,3% necessitaram de internação hospitalar e 5,1% precisaram de cuidados intensivos em UTI.

Os problemas cardiovasculares são os mais frequentes da lista de efeitos adversos entre todos os métodos de liberação hormonal: em 30,7% dos casos, o uso de hormônios causou hipertensão, AVCs (3,5%) e infartos (3,1%).

As complicações metabólicas também são significativas, diz o relatório, com 32,3% dos pacientes apresentando níveis elevados de colesterol e 13,6% com triglicerídeos altos.

“37% dos casos são para tratar fadiga, cansaço. São sintomas inespecíficos, que não necessariamente são por deficiência de hormônios”, pontua Clayton Macedo, presidente do Departamento de Endocrinologia do Esporte e Exercício da SBEM.

A média de idade dos pacientes que apresentam complicações é de 42 anos, mostra a plataforma. O levantamento é feito a partir de relatos enviados por médicos de todo país e o médico afirma que são apenas uma amostra de relações ainda subnotificadas.

“É uma fase precoce, porque teoricamente se diz que é para tratar menopausa, mas a gente vê que provavelmente usaram com outros objetivos”, acrescenta.

Os dados, apresentados em um congresso da SBEM no Recife, no sábado (12), buscam pressionar a Anvisa. Em agosto, 32 sociedades médicas enviaram uma carta à agência propondo uma regulação na venda de hormônios manipulados.

Segundo o documento, implantes, adesivos e injeções de hormônios têm sido receitados sem supervisão técnica e desnecessariamente, o que pode provocar problemas cardíacos, renais e até levar à morte. Em 77% das ocasiões, são indicados pelos próprios médicos.

“O fato de 77% dos hormônios terem sido prescritos por médicos demonstra a necessidade urgente de uma maior conscientização, tanto entre os profissionais de saúde quanto na população em geral”, diz a SBEM.

Em nota, a Anvisa afirma que a situação é prioridade e que vem realizando reuniões com associações médicas sobre o tema. A agência também reitera que “medicamentos que ainda não têm a sua eficácia terapêutica” são proibidos.

“Para manipular qualquer medicamento, a farmácia deve atender aos requisitos técnicos aplicáveis a cada produto. Em se tratando de medicamentos injetáveis, os controles são bastante restritos dado o risco associado a esse tipo de produto. A fiscalização das farmácias de manipulação é realizada pelas autoridades locais de vigilância sanitária”, acrescenta.

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