Projeto que pode abrir margem para lavagem de dinheiro com bets alerta governo

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Um projeto de lei que trata da regulamentação da atividade do assessor de apostas esportivas online, as bets, acendeu um sinal de alerta entre governistas e a Caixa Econômica Federal. Há uma avaliação de que o texto pode dar margem a irregularidades, como lavagem de dinheiro e fraudes.

A matéria é de autoria do deputado Bacelar (PV-BA), um dos vice-líderes do governo Lula (PT) na Câmara e atuante pela legalização dos jogos no país. Apresentado em 2023, o projeto tramita de forma conclusiva nas comissões, ou seja, sem a necessidade de análise no plenário da Casa caso aprovado nos colegiados. Depois das comissões, seguiria para o Senado.

O assessor de aposta seria um pessoa jurídica que presta serviços de consultoria, planejamento, intermediação e realização dos jogos em nome dos apostadores. Hoje, essa figura de intermediador de apostas existe para loterias tradicionais e é conhecida no mercado como “courier”.

O projeto de Bacelar, por sua vez, pretende formalizar essa figura e fazer com que ela possa atuar também para apostas esportivas online.

Assim, as apostas em todas as modalidades lotéricas poderiam ser feitas também por meio de um assessor, credenciado diretamente pelas casas de jogos, descritas no texto como “respectivos agentes operadores de loterias”. O texto não define quem seriam esses profissionais.

A Caixa se posicionou contrária à proposta e aponta riscos de lavagem de dinheiro, sobretudo pela dificuldade de rastreamento, segundo nota técnica obtida pela Folha.

“É necessária a inserção de medidas legais que visem a comprovar a efetiva prestação de serviços do courier, de modo que a aposta possa ser rastreada, mitigando a ocorrência de crimes contra o sistema financeiro nacional, como lavagem de dinheiro, evasão de divisas, fraudes em apostas ou, até mesmo, a comercialização de apostas falsas (não realizadas), resguardando-se, dessa forma, o direito do apostador enquanto consumidor”, diz o texto.

Fazenda também estuda divulgar uma nota técnica contrária ao texto, segundo relatos obtidos pela reportagem. Procurada, a pasta diz que não comenta medidas em tramitação no Congresso.

Um assessor técnico da Câmara, que acompanha a tramitação, ressalta que o texto permite que a a atuação desses assessores ocorra sem o conhecimento do órgão regulador, nesse caso, o Ministério da Fazenda, e ainda abre brecha para que as próprias empresas passem a atuar dessa forma.

No caso das loterias tradicionais, a figura do assessor de apostas tem registro na Caixa, órgão público e passível de fiscalização.

Essa proposta voltou a ser discutida nos bastidores da Câmara num momento em que o Executivo e parlamentares estudam medidas para alterar a regulamentação das bets, aprovada no Congresso Nacional no ano passado, diante de denúncias envolvendo as apostas e o alcance desse mercado nas contas dos brasileiros.

Bacelar diz à Folha que “de jeito nenhum” o projeto pode dar margem para irregularidades. “Lavagem de dinheiro, infelizmente, é uma disfunção do sistema capitalista, em qualquer negócio no mundo pode ocorrer. E, no Brasil, justiça seja feita, nosso sistema de fiscalização é um dos mais eficientes do mundo. Tem o Coaf [Conselho de Controle de Atividades Financeiras]. Nosso sistema bancário identifica qualquer operação suspeita imediatamente e isso dá segurança.”

Ele afirma que a atividade de assessor de apostas está amparada no Código Civil, que “permite que o apostador outorgue mandato”. Dessa forma, diz que busca “disciplinar o mercado e dar mais segurança jurídica à figura desse intermediário, que existe em todos os países desenvolvidos”.

O deputado já tinha tentado regulamentar a intermediação de apostas por agentes privados durante a tramitação do projeto de lei de apostas esportivas na Câmara no ano passado. Ele apresentou uma emenda ao texto, mas ela não foi acatada.

Bacelar também critica a Caixa, acusando a instituição de atrasar o desenvolvimento dos jogos no país por causa do monopólio que exerce. “Como todo monopólio, é ineficiente, improdutivo e arrecada menos recursos do que o potencial do mercado”, diz.

“A Caixa faz assessoria. Como é que ela está criticando uma ação que ela faz? Se você entrar no site da Caixa, você faz a sua aposta. Tudo o que ela está dizendo dos outros ela pode também fazer. Todas essas condutas irregulares ela pode fazer”, afirma.

Questionada, a Caixa diz que atua para ampliar o debate sobre o projeto de lei antes que ele seja levado à votação com o objetivo de “construir uma legislação segura e benéfica à sociedade”. A instituição ressalva, no entanto, que “a decisão de acatar ou não as sugestões apresentadas pelos setores cabe exclusivamente aos parlamentares”.

Na nota técnica obtida pela reportagem, a Caixa sugere acrescentar ao texto uma série de obrigações para esses assessores. Entre elas manter o cadastro atualizado dos clientes e enviar recibo de aposta original aos apostadores discriminando valores referentes à taxa de conveniência e o custo da aposta, além de limitar a comercialização de loterias estaduais e suas jurisdições e proibir apostas de loterias e jogos de outros países.

O projeto de lei está hoje na Comissão de Finanças e Tributação da Casa sob relatoria do deputado petista Paulo Guedes (MG). Em agosto, ele apresentou um parecer favorável e não propôs mudanças ao texto.

À reportagem, ele diz que solicitará a realização de audiência pública para ouvir todos os setores interessados antes de levar o tema à votação na comissão.

O advogado Caio de Souza Loureiro, sócio na área de Gaming & E-sports do TozziniFreire Advogados, afirma ser preciso garantir transparência desse processo. Ele diz que o projeto de lei de Bacelar “acaba fragilizando os instrumentos de controle” já previstos na regulação.

“Seria muito importante que o projeto considerasse instrumentos de controle em relação à transparência do apostador. Do jeito que ele está hoje, abre muito a porta para que tenha utilização indevida de terceiros nas apostas.”

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