SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – É o trânsito que garante o sustento do paulistano André Soares, 50. O engarrafamento é tanto que tem dia que o ambulante consegue tirar até R$ 300 vendendo água, refrigerante e salgadinho de bacon em meio aos retrovisores. “Aqui é garantido”, diz ele, encarando a grande avenida em frente ao seu barraco.
André mora às margens da avenida Aricanduva, uma das principais da zona leste de São Paulo, onde ônibus empacam ao lado dos carros no horário de pico, mesmo com a faixa pintada no chão. Um corredor BRT de 13 km foi previsto ali inicialmente para 2016, mas, até agora, não teve um só metro entregue.
O caso não é exceção. A malha de corredores exclusivos prometidos de gestão em gestão aos paulistanos ficou praticamente estagnada na última década. Ao mesmo tempo, prefeitos se desdobraram com investimentos bilionários em asfaltamento de ruas, reforçando o carrocentrismo que virou marca da cidade.
Levantamento da Folha de S.Paulo mostra que os valores crescem em todos os anos de eleição municipal ou geral pelo menos desde 2016, quando Fernando Haddad (PT) tentou se reeleger, sem sucesso. Naquela época, porém, os investimentos no transporte público sem contar verbas de custeio ainda eram quase quatro vezes superiores.
A tendência se inverteu nas últimas gestões, de João Doria, Bruno Covas (PSDB) e principalmente Ricardo Nunes (MDB). Desde então, o asfalto ganhou protagonismo em relação aos ônibus, e os aportes em pavimentação e recapeamento passaram a bater recordes consecutivos.
Os gastos com asfalto em São Paulo começaram a subir em 2018, quando Doria lançou o programa Asfalto Novo como vitrine logo antes de deixar a prefeitura para disputar (e vencer) o cargo de governador. Com direito a muita publicidade, o projeto teve mais previsão de investimentos do que saúde e educação.
Os aportes dispararam para R$ 407 milhões, em valores corrigidos pela inflação, enquanto o transporte coletivo levou menos da metade disso. Essa diferença se ampliou ainda mais em 2020, quando Covas tentou a reeleição, e os custos com pavimentação quase triplicaram, para R$ 1 bilhão.
Após a morte de Covas, Ricardo Nunes elevou o valor a outro patamar. Com mais dinheiro em caixa que seus antecessores e em busca da reeleição, ele anunciou em 2023 o maior programa de recapeamento da história de São Paulo.
Buracos e pedidos de pavimentação ocupavam então o topo do ranking de reclamações à prefeitura. Foram quase R$ 4 bilhões liquidados apenas em 2023, acima dos R$ 2,5 bilhões previstos inicialmente para todo o programa e 11 vezes mais do que o investido em transporte público.
Enquanto isso, a cidade seguiu com uma malha de apenas 135 km de corredores de ônibus à esquerda, mais velozes do que as faixas à direita que são exaltadas pelos prefeitos, mas consideradas medida paliativa. O número contrasta com as extensões previstas nos sucessivos planos de meta das gestões.
Haddad prometeu 150 km e entregou apenas 18,1 km. A gestão Doria/Covas disse que faria 72 km, mas só inaugurou 6,6 km. Já a administração Covas/Nunes havia dito que construiria 40 km, porém até hoje concluiu apenas 4,1 km: o único corredor existente na zona leste, ligando os bairros de Itaquera e Cidade Líder.
“O programa de transporte público em São Paulo está absolutamente parado”, diz o consultor na área Flaminio Fichmann. Segundo ele, mesmo o formato de corredores atuais (onde a velocidade média é de 21 km/h no pico da manhã) já não dá conta das necessidades de São Paulo e de outras metrópoles do mundo.
Ele defende que, além de ampliá-los, seria preciso transformá-los em BRTs, como o previsto em Aricanduva, cuja licitação está suspensa. São corredores com espaço para ultrapassagem e plataformas com cobranças externas, o que deixa os veículos muito mais velozes. Eles podem chegar a 30 km/h, o equivalente a metrôs e trens.
A comerciante Raiane Santos, 26, diz que se o corredor existisse seu tempo de trajeto cairia muito. “No horário de pico é bem complicado. Tem dia que do Tatuapé para cá eu gasto 40 minutos, sendo que não era para gastar nem 5 minutos”, conta ela na parada à beira da avenida Aricanduva.
Apesar da falta de investimentos em infraestrutura, os gastos da prefeitura com a rede de ônibus vêm crescendo nos últimos anos devido aos subsídios pagos às empresas que operam o sistema. Esse é outro uso político comum dos transportes em São Paulo.
Nunes instituiu a tarifa zero aos domingos e, assim como outros governantes, não aumentou a passagem de ônibus neste ano eleitoral, congelando o valor em R$ 4,40 e descolando-o do metrô (R$ 5). As medidas fizeram os subsídios saltarem de R$ 3,3 bilhões, em 2019, para R$ 6 bilhões previstos neste ano.
Além disso, as multas estão em queda, o que tem potencial para agradar o eleitorado bolsonarista almejado pelo prefeito. Por outro lado, rivais de Nunes também politizam frequentemente o tema do asfalto, apontando ruas recapeadas repetidamente ou falhas nos serviços.
GESTÃO NUNES DIZ QUE RECURSOS PARA TRANSPORTE CRESCERAM
A gestão Nunes afirma que os recursos aplicados no transporte público foram ampliados e vão além do que aparece como investimentos no orçamento. “Somente no ano passado foram mais de R$ 8,8 bilhões aplicados em ações para o transporte e mobilidade”, disse em nota, incluindo na conta os subsídios pelo congelamento das tarifas.
A prefeitura argumenta que superou a meta de implantar 50 km de faixas de ônibus à direita, com 54,3 km entregues, e que a eletrificação da frota está em andamento, com 180 ônibus movidos a bateria e 201 trólebus (com cabos). Cita ainda a implantação do transporte hidroviário na represa Billings, na zona sul.
Por fim, o município defende que “a conservação e melhoria da malha viária municipal também são fundamentais para a mobilidade urbana e enquadram-se no conceito de melhorias para o transporte público”.