SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Antes de entrar em uma briga, peixes da espécie Labroides dimidiatus, conhecidos como limpadores (ou bodião-limpador), avaliam se têm chance de ganhar “medindo” o tamanho de seus oponentes em comparação com o próprio. Para ter esta noção de seu próprio tamanho, os animais se olham no espelho.
O comportamento inusitado pode indicar que indivíduos desta espécie têm um tipo de percepção corporal, como os humanos, de acordo com cientistas.
A descoberta foi feita por pesquisadores da Universidade de Osaka, no Japão, e publicada recentemente no periódico científico Scientific Reports. O grupo já havia demonstrado que estes peixes são capazes de se reconhecer em fotografias e na frente de um espelho em outro artigo publicado em 2023 na revista PNAS (Proceedings of the National Academy of Sciences) a partir do chamado teste do espelho.
Neste experimento do espelho, os animais são expostos a um espelho dentro de um aquário. Inicialmente, os limpadores reagiram de modo agressivo ao reflexo, mas, com o tempo, passaram a interagir com suas próprias imagens. Os pesquisadores, então, injetaram um tipo de gel marrom benigno na pele de metade dos peixes do experimento. Ao se olharem no espelho com as manchas, eles tentaram se “limpar”.
Os peixes que passavam pelo teste do espelho eram expostos a fotografias de seus próprios rostos e a outras de indivíduos diferentes da mesma espécie, que eles tentavam atacar. Ao se ver, os limpadores não reagiram de forma agressiva, indicando que eles puderam se reconhecer.
O mesmo teste já foi feito com outros animais, como chimpanzés, golfinhos e elefantes, considerados por muitos pesquisadores como bichos com autoconsciência ou certos níveis de consciência própria, segundo Taiga Kobayashi, pesquisador líder do estudo da Universidade de Osaka.
“Alguns cientistas argumentam que somente os humanos, que têm linguagem própria, podem acessar sua consciência privada de si mesmo, enquanto outros acreditam que apenas os animais com cérebros tão desenvolvidos quanto dos humanos têm essa capacidade”, comenta.
Agora, no estudo mais recente, os pesquisadores puderam observar os pequenos peixes avaliando seu tamanho antes de enfrentar possíveis rivais.
Para isso, a equipe conduziu um experimento com 15 peixes em aquários separados. Todos foram colocados em frente a fotografias de peixes maiores e menores do que eles. O tamanho deles variou entre 5,8 cm e 8,3 cm. Oito dos peixes puderam se ver em frente a um espelho depois da sessão com as fotografias. Então, eles foram novamente colocados em contato com as fotografias. Os outros sete peixes não puderam se ver no espelho em nenhum momento e serviram como grupo controle para o experimento.
Os pesquisadores observaram que, antes de se olharem no espelho, todos os peixes tentaram atacar as fotografias. Aqueles que puderam se ver passaram a evitar o confronto com os bichos que eram maiores do que eles, enquanto os peixes que não puderam se enxergar continuaram tentando atacar as imagens dos peixes maiores.
“Isso sugere que os indivíduos usaram um espelho para lidar com um rival mais ameaçador com a intenção de verificar seu comprimento corporal”, afirma Taiga Kobayashi, pesquisador líder do estudo, à Folha. Para os cientistas, este é um indicativo de que, de alguma forma, os limpadores desenvolvem certa noção de quando é seguro ou não partir para o ataque depois de ter algum tipo de consciência de seu tamanho.
“É muito importante observar que os peixes podem acessar seus estados mentais, como representações corporais, padrões e intenções. Isso apresenta um novo argumento de que nossos estados mentais já haviam evoluído nos peixes, que são a origem dos vertebrados”, diz Kobayashi.
Os limpadores são uma espécie que habita os recifes de coral e auxilia outros tipos de peixes a se livrarem de parasitas, que lhes servem de alimento. O comportamento, considerado como uma “limpeza”, é um exemplo de mutualismo na natureza, em que diferentes espécies se beneficiam das ações umas das outras.
“Sabe-se que os limpadores possuem habilidades cognitivas notavelmente altas entre os peixes, pois conseguem identificar centenas de peixes individuais de várias espécies que os visitam para remoção de parasitas e priorizar a limpeza de visitantes ocasionais sobre os regulares”, comenta Kobayashi.