Pavilhões mostram como o vidro mudou a arquitetura tendo a globalização em vista

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Frequentar os bairros verticalizados de São Paulo é se habituar com a paisagem constante dos prédios com fachadas envidraçadas. Se nas ruas do centro da cidade esses vidros são majoritariamente translúcidos, permitindo a visibilidade, nos cantos mais novos, as fachadas são bastante distintas, refletindo umas às outras em peles de vidro espelhado.

Foram fatores tanto técnicos quanto simbólicos que, repercutindo intenções econômicas, culturais e até mesmo políticas, nortearam a maneira como utilizamos o vidro na construção de nossas cidades.

É sobre esse material complexo e de amplas possibilidades que se debruça a arquiteta mexicana Sol Camacho na mostra “Pavilhões de Vidro”, em cartaz na Escola da Cidade, e no livro homônimo que será lançado em dezembro. “Eu não quero saber só sobre a parte técnica, mas por que nós construímos tudo em vidro”, diz Camacho.

Ela, que foi diretora cultural do Instituto Bardi Casa de Vidro, hoje lidera o núcleo de estudos do escritório Raddar, responsável pela pesquisa que resultou na mostra e na edição impressa.

Na exposição, o recorte dos pavilhões —estruturas de uso flexível, geralmente temporárias, levantadas para grandes eventos— traz para uma abordagem centrada em pioneirismos e aprimoramentos no uso do material.

“A tipologia de Pavilhão é a que puxa mais os limites da experimentação. Você junta isso com o vidro que marca como tem evoluído a arquitetura moderna até a contemporânea e há uma pequena história para contar”, afirma Camacho.

Além de fotografias, livros, vídeos, periódicos e desenhos —alguns inéditos—, a exposição traz materiais translúcidos e reflexivos em propostas experimentais nas maquetes e desenhos dos pavilhões. No total, 16 pavilhões compõem a exposição. O livro agrega, além destes, outros 20 projetos.

A obra que inaugura a linha do tempo da mostra é o Crystal Palace, construído no ano de 1851 para abrigar a Exposição Universal de Londres. “O vidro nessa dimensão é criado pelos ingleses para as estufas, quando trazem plantas exóticas das colônias para a Inglaterra. Começava-se a colocar mais vidro em estações de trem e algumas indústrias, mas a primeira intenção de fazer um edifício só de vidro, para você entrar e pensar no ambiente como uma coisa etérea e entender o dentro e o fora, acontece com o Crystal Palace”, diz Camacho.

A Exposição Universal de 1851 celebrava as conquistas da Revolução Industrial e os avanços de diversas áreas entre o design, a arte e o comércio intercontinental, dando grande destaque aos pavilhões nacionais, construídos do zero para o evento.

Foi a primeira de uma série de feiras intituladas “Universais” ou “Mundiais” justamente por suas ambições de integração cosmopolita frente às promessas de um mundo novo, cada vez mais globalizado. Diversas obras presentes na exposição de Sol Camacho são fruto dessas feiras que acontecem até hoje —ainda que com menor expressão se comparadas às edições iniciais.

“Pavilhões de Vidro” permite paralelos frutíferos entre construções atuais e edifícios que já não estão mais de pé e projetos que nunca saíram do papel. A proposta de Victor Horta para o Pavilhão representando o Estado Livre do Congo na Exposição Universal de Paris de 1900 é um exemplo do último caso. De estilo art nouveau, é uma obra relativamente pouco conhecida, mas que revela influências que cruzavam fronteiras.

“Victor Horta, como não moderno, tem um papel fundamental na construção da arquitetura de Walter Gropius e da arquitetura moderna”, lembra Sol.

O Pavilhão do Brasil, construído por Lúcio Costa e Oscar Niemeyer para a feira mundial de Nova York em 1939, reverberava as ambições no país no contexto internacional. A essa altura o projeto para a nova sede do Ministério de Educação e Saúde Pública no Rio de Janeiro, realizado por um grupo de arquitetos que incluía a dupla, já estava em construção e atraía olhares internacionais para a sua fachada totalmente envidraçada.

Conforme afirmaria o próprio Lúcio Costa posteriormente em seu livro autobiográfico, “em 1938, com o prédio do Ministério já em construção, ainda não havia em Nova York nenhum arranha-céu com fachada envidraçada —a ‘curtain wall’ ou ‘mur rideau’— surgiram todos depois.”

Sobre a proposta para o pavilhão da Exposição Universal de Nova York, Lúcio Costa afirmou que a intenção do projeto era impactar o público com a singularidade da produção brasileira “fazendo-se um pavilhão simples, pouco formalístico, atraente e acolhedor, que se impusesse não pelas suas proporções, que o terreno não é grande, nem pelo luxo, que o país ainda é pobre, mas pelas suas qualidades de harmonia e de equilíbrio como expressão, tanto quanto possível pura, da arte contemporânea”.

Estão presentes na mostra duas obras que, em uma primeira análise, parecem um descompasso conceitual com a proposta do recorte da exposição. A instalação “Two-Way Mirror Cylinder Inside a Cube”, de Dan Graham, aborda aproximações, afastamentos, labirintos e encontros proporcionados pelo vidro.

A obra “Através”, de Cildo Meireles —elaborada na década de 1980 e hoje inserida em seu pavilhão em Inhotim— discute conceitualmente limites físicos com a materialidade de elementos como vidro, arame farpado, plástico, telas e treliças.

Não configuram edificações no sentido mais restrito, mas discussões artísticas que abordam ideias na intersecção entre arte e arquitetura. “Eu chamo de arquitetura de argumento, porque no pavilhão você está sempre querendo argumentar algo, seja de maneira técnica ou conceitual, e quando são artistas fazendo isso, fica ainda mais claro”, diz Camacho.

Outro ponto favorável à expansão de sentidos da exposição é o espaço onde ela está inserida. O andar térreo do edifício da Escola da Cidade integra de maneira conveniente com sua fachada envidraçada a rua com o interior do prédio.

Enxergar a paisagem urbana, os pedestres passantes e perceber os sons da cidade que ultrapassam as barreiras físicas traz uma camada a mais na leitura conceitual dos pavilhões de vidro, incluindo nossa própria experiência para dentro da mostra.

PAVILHÕES DE VIDRO

– Quando Seg. a sex., das 10h às 18h. Sáb., das 10h às 12h. Até 28 de março

– Onde Escola da Cidade – r. Gen. Jardim, 65, Vila Buarque, São Paulo

– Preço Grátis

– Classificação Livre

PAVILHÕES DE VIDRO: UMA TIPOLOGIA DE VANGUARDA

– Preço Grátis, com distribuição no evento de lançamento

– Editora Raddar e Arquine

– Organização Sol Camacho

LANÇAMENTO DO LIVRO ‘PAVILHÕES DE VIDRO: UMA TIPOLOGIA DE VANGUARDA’

– Quando 12/12, às 19h

– Onde Escola da Cidade – r. Gen. Jardim, 65, Vila Buarque, São Paulo

– Preço Grátis

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