As mudanças climáticas têm alterado drasticamente o cotidiano das pessoas ao redor do mundo, e no Brasil não é diferente. O aumento da temperatura global tem provocado eventos extremos como enchentes, secas prolongadas e queimadas, afetando milhões de brasileiros e causando perdas materiais e emocionais irreparáveis. Um estudo recente revela que esses desastres estão se tornando cada vez mais frequentes e impactantes, exigindo maior atenção de autoridades e da sociedade.
Tragédias climáticas: histórias de perda e resiliência
O pescador Luiz Antônio Ceccon, morador da Ilha da Pintada, em Porto Alegre (RS), viu sua vida ser transformada em maio de 2024, quando as águas do Rio Jacuí levaram sua casa e seu sustento.
“Eu tinha criação de animais, eu era pescador, perdi barco, perdi rede. Perdi tudo”, lamenta Luiz, que também viu a casa de sua esposa ser destruída antes mesmo da abertura de sua floricultura.
Ele e sua família fazem parte dos mais de 2,34 milhões de brasileiros atingidos pelas enchentes no Rio Grande do Sul, que resultaram em 183 mortes e deixaram centenas de pessoas feridas ou desaparecidas.
Enquanto isso, na região Norte do país, a Comunidade de Tumbira, em Iranduba (AM), enfrentava o oposto: a falta de chuvas. Em fevereiro de 2024, as famílias que dependem do turismo como fonte de renda ainda tentavam se recuperar da estiagem severa que secou o Rio Negro meses antes.
“Fumaça, calor acima da média, o rio seco, as ilhas de capim e um fenômeno que provoca alergia nas pessoas foram algumas das consequências”, relata o líder comunitário Roberto Macedo.
Esses eventos extremos mostram como diferentes regiões do Brasil são impactadas de formas distintas, mas todas enfrentam consequências devastadoras.
Estudo revela relação direta entre temperatura e desastres naturais
O pesquisador Ronaldo Christofoletti, do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), coordenou o primeiro relatório da série “Brasil em Transformação”, que analisa a relação entre mudanças climáticas e desastres naturais.
Segundo o estudo, 92% dos municípios brasileiros já registraram algum tipo de desastre ambiental e a frequência desses eventos tem aumentado ao longo dos anos.
Ao cruzar dados do Climate Change Institute da Universidade do Maine com o Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) do Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional, os pesquisadores descobriram que, para cada aumento de 0,1ºC na temperatura média global do ar, ocorreram 360 novos registros de desastres. Já nos oceanos, o mesmo aumento levou a um crescimento de 584 registros de desastres.
Entre 1991 e 2023, foram identificados 64.280 eventos climáticos adversos no Brasil, classificados em cinco categorias:
- Climatológicos: estiagens, incêndios florestais e baixa umidade do ar (49,8% dos casos);
- Hidrológicos: enxurradas, inundações e alagamentos (26,58%);
- Meteorológicos: ondas de frio e calor, ciclones e ventos costeiros (19,87%);
- Geológicos: deslizamentos, terremotos e erosão (3,32%);
- Biológicos: epidemias e infestações relacionadas ao desequilíbrio ambiental (0,35%).
O pesquisador ressalta que desastres biológicos, como surtos de doenças, podem estar ligados a alterações ambientais causadas pelo desmatamento, poluição e enriquecimento das águas por nutrientes.
Os prejuízos econômicos e sociais dos desastres climáticos no Brasil
Além das perdas humanas, os impactos econômicos das mudanças climáticas são gigantescos. O estudo da Unifesp revelou que, para cada aumento de 0,1ºC na temperatura do ar, o Brasil teve um prejuízo econômico estimado em R$ 5,6 bilhões.
“Esses números são subestimados, pois só consideram os valores registrados por prefeituras na plataforma da Defesa Civil”, explica Christofoletti.
Os desastres afetam diretamente os bens materiais e a moradia da população, além de exigirem redirecionamento de recursos públicos para reconstrução, o que reduz investimentos em áreas essenciais como saúde e educação.
Nos últimos quatro anos analisados pelo estudo (2020-2023), quase 78 milhões de pessoas foram afetadas por eventos climáticos extremos, um número que representa 70% do total de afetados na década anterior (2010-2019).
Além disso, há impactos psicológicos difíceis de mensurar. O pesquisador destaca que a destruição de casas, muitas delas passadas de geração em geração, provoca um grande abalo emocional. Segundo outro estudo da Unifesp, 62% das pessoas entrevistadas afirmaram sentir medo em dias de previsão de chuva intensa.
“Esse medo constante já é um indicativo de impacto na saúde mental da população”, conclui Christofoletti.
Próximos passos: estudos aprofundados sobre os desastres climáticos
O relatório “Brasil em Transformação” é apenas o primeiro de uma série que analisará detalhadamente cada tipo de desastre e seus impactos específicos.
“Agora, vamos aprofundar a análise de cada tipo de desastre. Já estamos finalizando o primeiro estudo sobre um deles”, adianta Christofoletti.
Diante desse cenário, especialistas alertam para a necessidade de políticas públicas eficazes e ações preventivas para minimizar os impactos das mudanças climáticas no Brasil. A adaptação a esses novos desafios será essencial para proteger populações vulneráveis e evitar que tragédias como as de Porto Alegre e Iranduba se tornem ainda mais comuns no país.