Até quando a hegemonia norte-americana resistirá?

País soberano é aquele que reconhece a realidade mundial,

mas não se deixa intimidar por ela, fazendo escolhas corretas e negociando com seriedade e responsabilidade,

tentando superar os limites do presente para abrir espaços ao futuro (M.C.Tavares, 1985)

 

O mundo assiste perplexo à avalanche de decisões que o Presidente Trump tem adotado desde o primeiro dia de seu segundo mandato, em 20 de janeiro último. 

Os avanços vão em muitas direções: ação violenta sobre os imigrantes, ameaças a ocupação de territórios, mesmo que de países amigos, suspensão de participações em organismos internacionais, demissão em massa de áreas de serviços públicos, ataque às universidades, proibição do uso de livros e de termos associados aos direitos humanos e a questões de gênero e uma majoração sem precedentes de tarifas alfandegárias na relação com todos os seus parceiros comerciais, com maior foco no comércio com a China. 

Quais serão os limites de todas estas medidas? É difícil prever. Há um apoio político interno que está sob pressão. O presidente teve uma vitória eleitoral acachapante, tendo hoje uma maioria nas duas casas legislativas. Contudo, é ingênuo supor que não haverá reações e a conta pode chegar mais rápido do que se espera.  

No âmbito das relações comerciais as consequências do tarifaço levam a fissuras que impactarão estruturalmente o mapa geoeconômico mundial e poderão levar a consequências imprevisíveis. 

Neste novo ambiente de incertezas a ordem econômica internacional estável e liberal vigente sob a hegemonia norte-americana se sustentará? O cataclisma que assola atualmente os mercados mundiais com os tarifaços e as ameaças de Trump impactam profundamente esta hegemonia que já se mantém há décadas. Resta saber se ela reemergirá, tal como se deu em outros tempos.   

No final dos anos 1970 essa tensão em torno da hegemonia norte-americana chegou a um ponto máximo, perante um processo contínuo de perda da dinâmica produtiva da sua economia frente às demais economias industrializadas, em especial a Alemanha e o Japão. Mas, como os fatos mostraram, houve um rearranjo na economia internacional com a retomada da hegemonia dos EUA devido principalmente ao que se chamou de “diplomacia do dólar forte”, com uma elevação jamais imaginada da taxa de juros. A submissão de todas as economias do resto do mundo à supremacia do dólar como moeda de referência mundial se efetivou às custas de uma ruptura unilateral com os preceitos que estavam sendo sustentados pelo FMI e outras entidades multilaterais, desde o fim da Segunda Guerra. Quem melhor explicou os fenômenos e as razões do revigoramento dos EUA naquela quadra da história foi a nossa saudosa Maria Conceição Tavares no inigualável ensaio “A retomada da hegemonia norte-americana “, de 1985.

Agora, o tema da supremacia dos EUA volta a ganhar centralidade, em um mundo totalmente diferente daquele de quarenta anos atrás. A economia internacional não voltará a ser a mesma depois de Trump. O arranjo dos pilares que sustentam os fluxos comerciais e financeiros entre os países será outro. Qual e como será, dependerá de “n” fatores. O certo é que, desde 20 de janeiro deste ano a economia internacional entrou em uma fase de forte turbulência com desdobramentos ainda imprevisíveis. 

As repercussões da guerra de tarifas iniciada pelo Presidente norte-americano não se limitarão à esfera comercial. Os circuitos de financiamento das dívidas públicas dos países e, em especial do próprio EUA, serão afetados. Um sinal nesta direção foi dado nesta semana quando houve uma baixa demanda pelos Treasury Bonds ofertados.

A dívida pública dos EUA está, hoje, ao redor de 36 trilhões de dólares, dimensão parelha à do PIB. Um dos principais financiadores daquele mundo de dívidas é exatamente a China. Esta é uma situação que enfraquece o poderio norte-americano que não pode ser esquecida.  Trump já se posicionou olhando para os BRICs e ameaçando aqueles que fizerem negócios fora dos circuitos do dólar. Até quando esta ameaça surte efeito? É uma incógnita e soma-se a ela a referência ousada dele afirmar em meio a uma entrevista sobre tarifas que o país tem armas de efeitos que muitos não imaginam o quanto.  

É difícil prever o que irá se suceder. A intensa volatilidade dos mercados bursáteis em todo o mundo são a face mais visível da redefinição de posições nas inter relações corporativas e bancárias, alcançando commodities, câmbio, juros e mercados de trabalho. 

O elemento determinante da decisão dos EUA de impor tarifas comerciais em todo o mundo é o extraordinário déficit na balança de pagamentos que ele carrega contra o resto do mundo desde os anos 1970. O predomínio do dólar como moeda de referência internacional está associado a tais déficits. Sem eles, a conta não fecha a não ser que o sistema atual se altere. Os ajustes dos balanços de pagamentos requerem compensações nas contas de capital. 

Acontece que a subordinação mundial à economia do dólar vigente até agora cobra um preço caro na esfera econômica daquele país. O crescimento da economia nos últimos anos se sustentou, mas com revelações sucessivas de limitações estruturais nos espaços de produção e de distribuição. 

As cadeias de suprimento de insumos hoje estão fortemente imbricadas em vários espaços nacionais. Como dar um cavalo de pau e, de uma hora para outra, romper com o tabuleiro de fornecimento e com os padrões complexos de organização industrial espalhados pelo mundo? Não vai ser possível. Algumas certezas podemos ter: os EUA entrarão em uma fase de desaceleração econômica e haverá uma reordenação dos preços internos e internacionais de bens e de serviços. Não há como escapar de tais consequências que emergirão e prevalecerão até a economia encontrar novos pontos de equilíbrio, com todas as consequências sociais e políticas que aparecerão pelo caminho. 

Neste ambiente tão complexo e imprevisível as perguntas que se colocam são: haverá condições para os EUA preservarem a sua hegemonia mundial? E em que bases isso se dará? 

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