SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – À medida que inundações, secas e ondas de calor ficam mais frequentes devido às mudanças no clima do planeta, a preocupação com quem será afetado por essas transformações também cresce. Nas discussões, a expressão “justiça climática” tem sido cada vez mais repetida em convenções e planos da área.
O conceito foi adotado por especialistas a partir dos anos 1990, partindo da percepção de que os efeitos das mudanças climáticas atingem os diferentes grupos sociais de forma desigual. Essa tese foi comprovada em diversos estudos posteriores, como os publicados a partir de 2001 pelo IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), principal órgão científico voltado ao tema.
Em 1994, por exemplo, a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês) definiu diferentes níveis de proteção ambiental e compromissos por parte de países desenvolvidos e em desenvolvimento, porque já se considerava que as comunidades mais afetadas seriam as que historicamente menos contribuíram para o fenômeno.
Com o avanço das pesquisas, o conceito de justiça climática passou a ser usado frequentemente para se referir às disparidades tanto nos impactos sofridos quanto nas responsabilidades por eles.
A crise climática é antes de mais nada uma crise política e um problema de natureza ética, diz Maria Fernanda Lemos, professora de urbanismo da PUC-Rio que coordenou o capítulo “América do Sul e Central” do último relatório do IPCC.
Segundo a pesquisadora, as perdas e os danos que as comunidades sofrem em eventos climáticos extremos ocorrem por uma combinação do aquecimento da Terra com as vulnerabilidades pré-existentes na sociedade.
“A depender da vulnerabilidade não ter recursos financeiros, viver em condições muito precárias, viver em área de risco, falta de conhecimento sobre as ameaças e oportunidades de adaptação, mais afetada a pessoa é pelo risco, como chuva, seca, ondas de calor”, diz.
“Se você é mais vulnerável e vai sofrer impactos mais severos, vai ficar ainda mais marginalizado”, destaca também.
Pobres, mulheres, idosos, crianças, pessoas com deficiência, negros, indígenas, ribeirinhos e quilombolas são alguns dos grupos vulneráveis citados por especialistas.
O último relatório do IPCC, publicado em 2023, considera que para haver uma adaptação climática processo de ajuste para reduzir e evitar danos potenciais é necessário o aumento do apoio às regiões e pessoas com maior vulnerabilidade, o que inclui o aumento de políticas redistributivas.
“Priorizar a equidade, a justiça climática, a justiça social, a inclusão e os processos de transição [energética] justa pode possibilitar a adaptação e ações de mitigação ambiciosas e o desenvolvimento resiliente ao clima”, diz o texto.
A ONU também afirma que, para haver justiça, aqueles que mais contribuíram para a mudança climática devem assumir a maior responsabilidade para resolvê-las, e isso inclui direcionar investimentos aos grupos mais vulneráveis.
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ENTENDA OS TERMOS
Justiça climática
A justiça climática, conceito socioambiental reconhecido pela ONU, propõe uma divisão proporcional de investimentos para mitigar os efeitos das mudanças climáticas, considerando que seus riscos e impactos, assim como a responsabilidade, são distribuídos de forma desigual.
Injustiça climática
Segundo o IPCC e diversos estudos, os efeitos das mudanças climáticas atingem principalmente os grupos mais vulneráveis socialmente, que são também os grupos que menos contribuíram para o fenômeno.
Mudança climática
De acordo com a ONU, as mudanças climáticas são “transformações a longo prazo nos padrões de temperatura e clima”. Elas podem ser naturais, mas há consenso científico de que são principalmente causadas pela ação humana, que devido às emissões de gases como dióxido de carbono (CO2) e metano (CH4) causaram uma desregulação no efeito estufa natural. Isso gera um aumento na temperatura do planeta e, consequentemente, eventos climáticos extremos como inundações, seca e ondas de calor.
DESIGUALDADE GLOBAL
Globalmente, conforme pesquisa da Oxfam International, os 10% mais ricos do mundo são responsáveis por 50% das emissões de carbono na atmosfera, a classe média (40%), por 43%, e os mais pobres (50%), por apenas 8%.
“Isso já seria uma injustiça se o impacto fosse igual para todo mundo, mas ele é muito mais sentido nos países pobres”, diz Regina Rodrigues, professora da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e coordenadora da sub-rede de desastres naturais da Rede Clima.
Segundo o IPCC, os maiores impactos são observados em países da África, América Latina, Ásia e nos pequenos países insulares e do Ártico. Historicamente, porém, os países que mais contribuíram para as emissões de carbono estão na Europa e América do Norte.
DESIGUALDADE LOCAL
Além da diferença entre países, o processo de injustiça climática é identificado localmente, dentro da mesma cidade, estado ou país.
Nas enchentes que atingiram o Rio Grande do Sul em maio, por exemplo, quem mais sofreu com perdas de patrimônio e renda foi a população mais pobre, negra e com menor escolaridade, segundo pesquisa Datafolha.
O Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima cita que os impactos do aquecimento do planeta “ocorrerão de forma desigual no território e afetarão grupos socioeconomicamente distintos” e elenca os grupos vulneráveis que merecem maior atenção na questões de justiça climática.
Eles são indígenas, extrativistas, pescadores artesanais, ciganos, agricultores familiares, pessoas em situação de rua e quilombolas principalmente concentrados na Amazônia e no Nordeste (caatinga).