BAKU, AZERBAIJÃO (FOLHAPRESS) – Na véspera do dia marcado para encerramento da COP29, a convenção sobre mudanças climáticas das Nações Unidas que acontece em Baku, no Azerbaijão, os principais pontos da nova meta global de financiamento climático, mais conhecida como NCQG (sigla em inglês para novo objetivo coletivo quantificado), ainda seguem indefinidos.
Com várias horas de atraso, na manhã desta quinta (21), a presidência da conferência liberou a versão mais atualizada do documento. Embora os negociadores já tenham conseguido enxugar o texto -que passou de 25 para 10 páginas-, há indefinição nas duas questões centrais: o valor do financiamento e quem pagará essa conta.
No espaço onde deveria figurar a nova cifra de financiamento, há apenas um “X”. O texto em discussão permanece coalhado de colchetes, sinalizando os vários trechos em que há desacordo entre os países.
A demora na liberação do NCQG e de outros documentos irritou delegados, que acabaram precisando cancelar atividades marcadas no período da manhã para conseguir ler o documento e interpretar suas implicações.
Observadores e diversas organizações ambientalistas criticaram a indefinição dos países ricos quanto aos valores de financiamento em um momento em que a conferência já se encaminha para sua conclusão. Esta sexta (22) seria o último dia de evento -na prática, porém, delegados se preparam para atravessar o fim de semana.
“O último rascunho do texto do NCQG permanece lamentavelmente incompleto, sem números concretos para a meta de financiamento, o alicerce de qualquer acordo na COP29 e a demanda inegociável dos países em desenvolvimento durante esta cúpula”, disse Tasneem Essop, diretora executiva da CAN (Climate Action Network) International.
“Os países desenvolvidos sabiam que deveriam chegar a Baku prontos para concordar com uma meta significativa de financiamento climático. Em vez disso, continuam brincando com as vidas das pessoas na linha de frente dos desastres climáticos, manipulando e minando essas negociações cruciais. É preciso colocar os números na mesa agora, ou corremos o risco de não chegar a um resultado”, alertou.
O novo NCQG vai substituir a atual meta acordada pela comunidade internacional, de US$ 100 bilhões anuais, que expira no fim deste ano. Diversos estudos, inclusive no âmbito das Nações Unidas, indicam que são necessários pelo menos US$ 5 trilhões até 2030 apenas para implementar os planos climáticos já existentes.
Desde o começo da conferência, as nações em desenvolvimento pedem compromissos acima de US$ 1 trilhão por ano. O bloco do G77+China, que congrega países em desenvolvimento e do qual o Brasil faz parte, apresentou uma proposta de US$ 1,3 trilhão e vem insistindo, em uníssono, por esse valor.
De volta a Baku após participar da reunião do G20 no Rio, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reiterou a demanda por essa cifra em seu discurso na plenária da cúpula na tarde desta quinta.
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, ao lado de Annalena Baerbock, ministra alemã das Relações Exteriores, e outras lideranças femininas em evento na COP29 nesta quinta (21) Maxim Shemetov Reuters Annalena e Marina aplaudem; na fileira atrás delas, há 3 mulheres **** “Para financiamento, como discutido no G20 e como aponta o grupo de alto nível em finanças climáticas, trilhões são necessários, por mais que alguns também considerem isso desafiador”, destacou.
“Nossa maior obrigação neste momento é avançar em relação ao financiamento”, afirmou a ministra. “É essa obrigação que vai nos mostrar se aquilo que estamos dizendo está coerente com o que estamos fazendo em relação a mitigar, implementar e transformar nossos modelos insustentáveis de desenvolvimento.”
Os países ricos, contudo, vêm agindo ativamente para que os valores repassados estejam distantes do que vem sendo pedido pelas nações em desenvolvimento.
Negociadores da União Europeia, que não têm falado publicamente sobre as cifras apresentadas, estariam propondo entre US$ 200 bilhões e US$ 300 bilhões anuais, de acordo com reportagem do portal Politico.
Depois de dificultar as negociações de financiamento na última convenção de biodiversidade da ONU, a COP16, realizada há menos de um mês na Colômbia, a UE é apontada agora por observadores como um dos agentes que mais têm bloqueado as ambições de recursos em Baku.
Os europeus seguem, inclusive, insistindo na ampliação da base de doadores. Pelas regras acordadas na convenção do clima e no Acordo de Paris, o países desenvolvidos, maiores responsáveis históricos pelas emissões de gases estufa, que em larga medida permitiu o crescimento de suas economias nos últimos dois séculos, são os responsáveis por pagar a conta.
O clube dos ricos, contudo, quer ampliar a base de doadores, incluindo países como China, maior emissor atual de gases-estufa, além de Estados do Golfo e até o Brasil.
Os países em desenvolvimento negam categoricamente a possibilidade de contribuições obrigatórias, mas sinalizam com o aumento das doações voluntárias, já previstas no Acordo de Paris.
Além da indefinição do valor de financiamento, outro ponto bastante criticado no mais recente rascunho é a falta de salvaguardas em relação ao tipo de repasses. Levantamentos indicam que a maior parte dos recursos é disponibilizada através de empréstimos, não de doações, o que contribui para o aumento da dívida dos países que acessam esse dinheiro.
“Não se trata apenas de aumentar o volume de financiamento, é também uma questão de melhorar os aspectos qualitativos: sem dívidas, acesso direto, eficiência e transparência”, disse Carola Mejía, coordenadora de justiça climática, transições e amazônia na LatinDadd (Rede Latinoamericana por Justiça Econômica e Social).
Convocada pela presidência da COP29 para ajudar a destravar as negociações, a delegação brasileira se mobilizou para conversar com os países e buscar consensos para o texto do NCQG. A equipe do Brasil passou aos representantes azeris um resumo do que ouviu dos demais negociadores sobre a última versão do rascunho.
Pelo nó nas discussões, a expectativa entre a delegação brasileira, e muitas outras em Baku, é de que o encerramento da conferência atrase, assim como em anos anteriores.
Nos bastidores, também já é dado como certo que não haja desta vez uma “cover decision” (decisão de capa), um documento que resume os principais pontos de um acordo nas COPs, além de incluir, em muitos casos, elementos importantes de negociações paralelas.