PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – Ruy Castro exerceu o jornalismo por quase quatro décadas sem usar a palavra “eu”. “Nunca me achei no direito, nem com a necessidade, de começar uma frase com ‘eu’, até que Otavio Frias Filho me convidou para fazer uma coluna de crônicas na página dois da Folha”, contou o imortal da Academia Brasileira de Letras na mesa de estreia da Casa Folha, na Flip, nesta quinta-feira (10).
A crônica, Castro afirma, é construída a partir da visão pessoal sobre qualquer coisa, e por isso é impossível excluir-se do texto. Hoje, já familiar com o gênero, ele leva um caderninho a todos os lugares para onde vai, até no banheiro, e passa o dia inteiro olhando ao redor. Para ele, a crônica se escreve com os pés, ao andar pela cidade, como fazia o flanador homenageado desta Flip, João do Rio.
A busca constante e incansável de Castro por temas é resultado de sua recusa em escrever a clássica crônica sobre a falta de assunto, que ele considera muito fácil de fazer. Quando não encontra um tema no dia a dia, ele retorna ao passado e escreve sobre outros tempos. Por esse hábito, já foi questionado se era nostálgico, ao que ele responde: “Não sou saudosista, sou culto”.
O mediador da mesa, o repórter especial da Folha de S. Paulo Maurício Meireles, afirmou que a crônica é um gênero literário que atravessa o tema. Castro concordou, dizendo que João do Rio, no início do século 20, falava de problemas do Brasil que persistem até hoje, como as diferenças de gênero, o sistema carcerário e a intolerância religiosa.
Castro celebrou o colega de profissão e questionou como Paulo Barreto, que carregava o pseudônimo de João do Rio, tinha tempo para fazer tantas coisas. “Ele começou como repórter, foi o primeiro entrevistador do Brasil, foi articulista, cronista, crítico e também autor de teatro, correspondente internacional, editor e dono de jornal. Ele passou por tudo”, contou.
Meireles também questionou como a crônica se sustenta mediante a atual crise da palavra, ao que Castro respondeu que, onde palavra puder ser colocada, poderá haver crônica –em vídeo, rádio ou nas redes sociais.
Ele afirmou que as redes sociais tornaram todo mundo cronista de si mesmo, mas não acompanha ativamente esse movimento. Sem celular e sem entender os ícones que o compõem, o cronista sai orgulhosamente nu em um mundo em que o aparelho se tornou a roupa da maioria das pessoas.
“Quando o celular apareceu, só servia para telefonar. Como já tinha telefone em casa, não precisei. Depois ele aprendeu a fotografar, mas eu já tinha câmera”, afirmou. “De repente, abri os olhos e ele já sabia fazer um monte de coisas. Ficou impossível para eu manobrar aqueles ‘iconezinhos’.”
Ao final do evento, o imortal assinou exemplares de seu lançamento mais recente, “O Ouvidor do Brasil: 99 Vezes Tom Jobim”, que para ele é um verdadeiro livro de crônicas. “O livro de crônicas não deve ser uma homenagem ao autor”, disse, sobre cronistas que publicam livros com coletâneas de seus contos. “O livro de crônicas de verdade é temático, uma coletânea de textos sobre um assunto que torna a obra relevante.”
O livro reúne 99 textos que Castro escreveu sobre o músico ao longo de quase duas décadas como cronista na Folha de S. Paulo. “Não é o Tom da ‘Garota de Ipanema’, não é o Tom músico compositor. É o Tom que levanta do piano e sai. É o Tom que tomava café na padaria Rio Lisboa, que ia à farmácia Piauí e almoçava na Plataforma.”
Castro também prometeu um próximo lançamento para a plateia tomada por fãs, um livro sobre o Rio de Janeiro durante a Segunda Guerra Mundial, tema sobre o qual o escritor vem lendo há seis anos.