O Ministério Público Federal (MPF) instaurou procedimento investigativo para apurar a legalidade de uma recente resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM), publicada nesta quarta-feira (16). A normativa revisa os critérios éticos e técnicos para o atendimento de pessoas com incongruência de gênero ou disforia de gênero, impactando diretamente o acesso de crianças e adolescentes transgêneros a tratamentos hormonais e terapias específicas.
Em comunicado, o MPF informou que a resolução altera as diretrizes que orientam os procedimentos médicos destinados à população trans, incluindo os mais jovens. A mudança proíbe o bloqueio hormonal em crianças e adolescentes diagnosticados com disforia de gênero, além de restringir a terapia hormonal cruzada a partir dos 18 anos. O bloqueio puberal, que visa interromper o desenvolvimento das características sexuais secundárias antes da puberdade, também foi proibido para menores de 18 anos.
A decisão gerou controvérsia e levou à abertura do procedimento investigativo, em resposta a denúncias feitas pela Associação Mães pela Diversidade e pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra). As entidades manifestaram preocupações de familiares de crianças com variabilidade de gênero ou adolescentes trans que, até então, tinham acesso a tratamentos médicos como o bloqueio puberal e a hormonização cruzada.
“Essas entidades comunicaram o fato e expressaram a preocupação de que a medida possa privar crianças e adolescentes trans de tratamentos médicos essenciais para sua saúde mental e bem-estar, tendo em vista o diagnóstico de disforia de gênero”, afirmou o MPF.
Oposição à resolução do CFM
O procurador regional dos Direitos do Cidadão no Acre, Lucas Costa Almeida Dias, encaminhou um ofício ao CFM solicitando, no prazo de 15 dias, informações detalhadas sobre os argumentos técnicos e jurídicos que sustentam a nova resolução. Ele mencionou as decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) que se posicionaram de maneira favorável ao reconhecimento da transexualidade como um direito à autonomia da pessoa, além de citar a despatologização da transexualidade, um conceito promovido pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Entenda a resolução e as mudanças propostas
A resolução do CFM impõe restrições significativas aos tratamentos hormonais e cirúrgicos voltados para a população trans, especialmente para menores de idade. Além de vetar o bloqueio hormonal para crianças e adolescentes, a normativa estipula que a terapia hormonal cruzada – que envolve a administração de hormônios do sexo oposto para promover o desenvolvimento das características sexuais secundárias alinhadas à identidade de gênero – só poderá ser iniciada a partir dos 18 anos.
A resolução também estabelece novas limitações para a realização de cirurgias de redesignação de gênero, proibindo tais procedimentos em pessoas trans antes dos 18 anos, e apenas permitindo em casos específicos após os 21 anos, quando a cirurgia implicar risco de esterilização. Por fim, a normativa determina que pessoas trans que mantêm seus órgãos reprodutivos biológicos devem ser acompanhadas por médicos do sexo biológico, em vez de profissionais especialistas de acordo com sua identidade de gênero.
A repercussão e as próximas etapas
A resolução do CFM gerou uma onda de críticas de organizações e familiares que defendem o direito das pessoas trans a tratamentos médicos adequados às suas necessidades de saúde. A decisão agora será acompanhada de perto por diversas entidades, incluindo o MPF, que deve continuar com as investigações para avaliar a conformidade da medida com os direitos humanos e os princípios constitucionais.
Além disso, a questão levanta um debate sobre o acesso à saúde para pessoas trans e as implicações de decisões políticas e normativas sobre o direito à saúde, identidade de gênero e autonomia do paciente. A medida do CFM e sua repercussão ressaltam a necessidade de um olhar mais atento sobre as especificidades do atendimento à saúde de pessoas trans, especialmente em um contexto onde a despatologização da transexualidade ainda é um tema em debate.