SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Barra, centro, saltos, giros e repete. Muitos e muitos ensaios. À noite, dançar para milhares de pessoas no palco da Ópera Garnier, a casa das bailarinas da Ópera de Paris, uma das companhias de balé mais tradicionais e conceituadas do mundo. Luciana Sagioro, de 18 anos, vive a rotina dos sonhos de muitos jovens e adultos que tentam uma carreira na dança.
No último Festival de Dança de Joinville, em Santa Catarina, a jovem ministrou aulas, cujas inscrições se esgotaram em poucos dias, posou para fotos com milhares de dançarinos e teve seu rosto estampado em várias campanhas publicitárias. No ano anterior, ela ganhou o posto de melhor bailarina do festival e, junto com ele, uma legião de fãs que a elegeram a maior inspiração da geração no balé brasileiro.
Desde o início do ano, Luciana fechou contrato com a Ópera de Paris para dançar até sua aposentadoria. Ela foi a primeira e, até agora, única brasileira no corpo de baile. Antes disso, passou um ano como estudante da escola de balé da Ópera, na qual entrou após garantir o terceiro lugar no Prix de Lausanne, “as Olimpíadas do balé”, como é conhecida a competição que reúne bailarinos do mundo inteiro.
A agora bailarina profissional vem dançando desde os 5 anos e se preparando especificamente para a carreira desde os 9, quando se mudou de Juiz de Fora (MG) para o Rio de Janeiro para estudar na escola que sua inspiração, Mayara Magri, hoje solista do Royal Ballet de Londres, estudou. À Folha, ela conta sua história de “determinação e muita força de vontade” e como escreveu seu plano de carreira aos 8 anos e fez com que seus pais acreditassem em uma criança.
INÍCIO E TRAJETÓRIA
“Desde a minha primeira aulinha, aos três anos, já pedi para minha mãe me matricular. Eu fazia as aulas direitinho. Eu era apaixonada, eu não faltava um dia”. Assim como muitas crianças, Luciana entrou nas aulas de balé cedo, matriculada pela mãe. Depois de alguns anos, no entanto, já estava apaixonada e certa de que queria ser uma bailarina profissional. “Foi quando eu comecei a escrever, muito nova, sozinha, um plano de profissão para mim. Eu tinha 8 anos.”
Por volta dos seis anos de idade, pesquisando sobre o balé, ela encontrou Mayara Magri e resolveu que ia seguir todos os passos da carioca. O primeiro passo era estudar na Petite Danse, no Rio de Janeiro, escola dirigida por Nelma Darzi, com a professora Patrícia Salgado, ex-bailarina do Stuttgart Ballet. “Minha família, sempre me apoiava muito, mas nunca imaginava que isso realmente seria levado tão a sério. E aí foi quando um dia eu conversei com os meus pais e pedi para eles a oportunidade, para que eles realmente acreditassem nesse meu sonho.”
Ela conta que os pais colocaram a condição de continuar tirando notas boas na escola: “Eu queria tanto provar para os meus pais, mostrar para eles que era realmente o meu sonho, que as minhas notas aumentaram”. Ela diz, que, com certeza, fez a coisa certa: “Eu fiz da oportunidade mínima que meus pais me deram, a grande oportunidade da minha vida”.
Os pais concordaram em mandá-la para o Rio duas vezes por semana. Depois de um ano de pequenas viagens semanais, a escola pediu para que Luciana passasse a treinar todos os dias, para aprimorar mais suas técnicas e uma alternativa surgiu na hora certa: “Minha antiga babá, que já trabalhava para a gente há mais de 15 anos, falou que me ajudaria a realizar meu sonho e se mudou comigo. É um anjo também que apareceu na nossa vida. E morou comigo dos meus 9 anos até os meus 15 anos lá no Rio”.
Durante seis anos, Luciana treinou diariamente na Petite Danse e participou de muitas competições nacionais e algumas internacionais. “Dentro desses anos que eu passei lá no Rio, fiz muitos concursos, fui me tornando uma bailarina mais reconhecida. Tudo isso com o intuito de receber uma bolsa de estudos na Europa.”
Aos 15 anos, a estudante foi selecionada para o Prix de Lausanne, as “Olimpíadas do balé”. A competição acontece em Lausanne, na Suíça, e reúne cerca de 90 jovens de 15 a 18 anos, vindos de 18 países, que disputam bolsas de estudo nas maiores escolas de dança do mundo, apresentando uma coreografia clássica e uma contemporânea. Garantindo o terceiro lugar, ela pôde escolher entre todas as maiores opções: o Royal Academy, de Londres, Bolshoi e Vaganova, da Rússia, Joffrey Ballet, em Nova York, e Ópera de Paris, a sua escolhida.
“Eu escolhi a Ópera de Paris dentro de todas as outras companhias porque eu queria fazer história. Eu tinha a oportunidade de ser a primeira brasileira, então eu fiz para mostrar para todos que sonham que é possível”, diz a bailarina. Já no último ano, mais dois brasileiros foram selecionados para a mesma escola, seguindo os passos da pioneira.
Depois de um ano sendo aluna da escola, Luciana enfrentou um concurso para se tornar parte do corpo de baile como se chamam as bailarinas que dançam em conjunto e ainda não são solistas da companhia. Entre mais de 400 candidatas do mundo inteiro, mais uma vez, a mineira foi selecionada “de primeira”, ao lado de somente mais uma concorrente.
E SE NÃO DESSE CERTO?
Muito se diz que a frase “e se não der certo?” não faz parte do vocabulário dos vencedores, daqueles que alcançam o sucesso. A bailarina parece concordar, já que, para ela, não existiria outra opção a não ser dançar fora do Brasil: “Nossos teatros estão sempre em greve, os salários dos bailarinos são baixos. Somos um dos países com mais talentos do mundo, mas não valorizamos”.
Luciana diz que a desvalorização da arte no país desestimula muitas potenciais dançarinas, e isso se intensifica pela competitividade entre aquelas que lutam por uma oportunidade. Ela conta que viveu situações que parecem saídas de filmes: seu figurino foi cortado, uma agulha foi colocada em sua sapatilha e ela foi excluída dos grupos de amigos na escola. Somente na França encontrou amizades verdadeiras no mundo da dança.
Apesar de não ter tido muitas derrotas, houve uma que a marcou profundamente. Em 2019, na sua penúltima participação no Festival de Dança de Joinville, pela primeira vez ela não garantiu nenhum pódio na competição: “Naquele dia, claro, eu chorei, fiquei triste, mas, no mesmo dia, olhei nos olhos da minha mãe e falei: Não desacredite de mim, porque a partir de hoje, eu escolho de verdade a dança. É a partir da minha derrota que eu escolho o que eu quero”.
Ainda assim, a jovem diz que a derrota no festival não foi maior do que a dificuldade de ficar longe da família ou de enfrentar a competitividade no mundo da dança.
SONHO REALIZADO
Aos 18 anos e empregada até a aposentadoria, a certeza dela é uma raridade entre tantos jovens que não encontraram ainda uma carreira pela qual são apaixonados. “Hoje, aos meus 18 anos, há 15 anos que eu danço. Há 15 anos eu escolhi completar a minha alma. Porque realmente minha alma dança. Não sei o que seria de mim sem ela. Sei que foi a escolha certa, porque acho que a dança também me escolheu”, diz ela.
Atualmente, além da carreira no balé, Luciana faz trabalhos de publicidade para marcas de dança e de moda. Sua mãe, jornalista, passou a trabalhar como sua empresária e assessora. Ela faz questão de enfatizar o apoio dela, do pai e das irmãs em toda a sua carreira.
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