FRANCA, SP (FOLHAPRESS) – Técnicos e executivos representantes de 2.000 produtores de cana-de-açúcar ainda analisavam, no final da noite desta quarta-feira (25), dados de satélite para medir a cicatriz deixada pelas queimadas nas plantações do estado de São Paulo. O relatório apresentado nesta quinta (26) tenta explicar uma situação climática extrema que em um único dia potencializou incêndios em uma área duas vezes maior do que a da capital paulista.
Dos 658,6 mil hectares de plantações queimadas em agosto no estado, 328,2 mil hectares pegaram fogo no dia 23 do mês. Isso significa que metade da área plantada atingida foi incendiada em um único dia, segundo o levantamento da Canaoeste, a associação dos plantadores de cana do oeste paulista.
A marca do fogo analisada não faz distinção em culturas agrícolas, mas o segmento afirma que praticamente todas as cidades que registraram 100 ou mais focos estavam em áreas cuja principal produção é a de cana-de-açúcar.
Pitangueiras foi a cidade com mais focos, 354. Sertãozinho, com 296, e Altinópolis, com 252, também estão no topo da lista de municípios mais atingidos.
São Paulo registrou 11.628 focos de incêndios em agosto, número 227% maior do que a média histórica para o mês, que é de 3.550 focos. É também o maior número de focos já registrados no mês, superando os 8.076 de 2021. O levantamento tem dados desde 2012.
Análises climáticas da entidade apontam como principais fatores para o espalhamento do fogo os ventos de até 45 km/h, umidade do ar a 8% e calor de 38ºC, disse à Folha o gestor executivo da Canaoeste, Almir Aparecido Torcato, enquanto analisava os dados em apuração na terça (24).
“Uma condição climática que preocupa muito para o risco de incêndios é a chamada triplo 30, quando o vento está acima de 30 km/h, a umidade abaixo de 30% e a temperatura supera os 38ºC”, explica. “Os dados estão mostrando uma situação extrema de triplo 30”, comenta.
Apesar de extremos, os eventos climáticos de 23 de agosto não seriam capazes de, sem a intervenção humana, promoverem queimadas na proporção observada, afirma Torcato.
Com base na experiência das equipes agronômicas que rotineiramente vão a campo analisar o solo de áreas queimadas, ele diz que muitos incêndios acidentais são provocados por hábitos como incinerar lixo ou mato em chácaras, rituais religiosos, e ainda pela ação de criminosos que usam fogo para derreter o revestimento de fios roubados em propriedades rurais.
Na atual crise, porém, indivíduos ateando fogo propositalmente em matas e plantações também entram para a lista de suspeitos, principalmente devido à velocidade com que os focos surgiram.
“Há pessoas que sentem prazer em destruir patrimônio público e privado, vândalos, que tiveram suas ações extremamente potencializadas pelo clima”, diz Torcato. “A motivação dessas pessoas é uma incógnita, penso na teoria da janela quebrada: alguém vê uma vidraça quebrada num prédio e se sente estimulado a apedrejar outras vidraças, mas não consigo ver, objetivamente, uma ação organizada”, comenta.
Passado o ápice da crise, o setor diz esperar respostas das autoridades para encontrar os responsáveis enquanto tenta se preparar para uma condição climática que poderá ser mais frequente. Além disso, tenta demonstrar para a sociedade que está entre os segmentos mais prejudicados pelos incêndios.
Desde 2014 a produção de cana não utiliza fogo para queimar a palhada e facilitar a colheita manual da cana em São Paulo. Produtores usam colheitadeiras mecânicas que dispensam a necessidade de fogo. Além disso, a palhada deixada sobre o solo preserva nutrientes para a safra seguinte.
Caso fosse queimada, como no passado, a cana ainda enfrentaria rejeição das usinas, pois prejudica o processamento para a produção de açúcar e desvaloriza o produto, segundo o executivo da Canaoeste.
“Sem vitimismo, se ao menos fôssemos respeitados, e não rechaçados, já nos facilitaria a vida”, diz Torcato.