SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A terça-feira de Bienal do Livro de São Paulo foi dia de falar sobre novelas. Uma mesa desfalcada pela ausência de Aguinaldo Silva e do mediador Samir Machado de Machado teve clima de conversa entre amigos com as escritoras Maria Adelaide Amaral e Rosane Svartman e o jornalista Mauricio Stycer, colunista da Folha.
Amaral roubou a cena com respostas honestas e sem rodeios. A dramaturga de 82 anos não economizou nos palavrões, arrancando risos da plateia.
Em outro momento, a própria autora se divertiu ao responder uma pergunta de um fã da minissérie “JK”. Ele perguntou a Amaral a quais licenças poéticas recorreu e ela respondeu que a maior delas foi “reduzir as 500 mil amantes que ele teve a uma só”.
O histórico de infidelidades do ex-presidente Juscelino Kubitschek foi concentrado, no folhetim, na figura de Marisa, interpretada por Letícia Sabatella.
Outra de suas obras que gerou curiosidade foi “A Casa das Sete Mulheres”, que Amaral disse ter sido feita por acaso. Ela tentava emplacar uma nova produção depois de ter sua primeira ideia rejeitada, quando o diretor artístico Mário Lúcio Vaz ligou e perguntou se ela tinha outra ideia.
A autora então viu em sua estante um livro que ganhara meses antes, perdido por ali ”A Casa das Sete Mulheres” e propôs o tema sem nem saber do que se tratava a história.
Rosane Svartman preferiu quase sempre passar a palavra para Amaral, que diz admirar. Mas a autora de “Bom Sucesso” e “Vai na Fé” contou que nem sempre sentiu essa admiração pela teledramaturgia.
Durante seus tempos de faculdade de cinema, Svartman via um tipo de arte como melhor ou mais nobre do que outro. Hoje, não pensa mais assim. “Isso era arrogância”, disse. “O que a gente escreve para a TV aberta é tão difícil quanto fazer um filme.”
Mais tarde, em outro espaço da Bienal, a jornalista Míriam Leitão compensou o desfalque do autor Dênis de Moraes, que não compareceu à mesa sobre os 60 anos do golpe militar.
Leitão disse que escreveu os livros “História do Futuro” e “Tempos Extremos” ao mesmo tempo, entre 2012 e 2014. Seu plano era escrever uma obra de não ficção que, com base em estatísticas e previsões, desenhasse um futuro para o Brasil. Mas “uma outra história a escolheu”, a de “Tempos Extremos”.
Esse romance ambientado durante a ditadura militar foi escrito “em catarse, escondido, às vezes aos prantos”, contou a autora. A jornalista foi presa em 1972 e sua história se interliga com a de sua personagem principal que, assim como ela, passou por torturas enquanto estava grávida.
Leitão prendeu a atenção da plateia e se comoveu ao relembrar momentos traumáticos da ditadura, que diz contar porque, se não falar sobre as violências que ela e outros sofreram, se sentiria cúmplice.
Apesar de “História do Futuro” olhar para a frente, foi “Tempos Extremos” que acabou com status de premonitória ao contar a história de uma família que não consegue dialogar por diferenças políticas.
Leitão contou que isso não era uma realidade quando ela começou a escrever o livro, em 2012, mas que hoje é mais comum do que nunca. “A democracia brasileira passou, entre 2018 e 2022, pelo maior teste desde 1985. Houve momentos em que parecia tudo perdido, mas a sociedade brasileira a defendeu, e ela está íntegra em 2024.”
O dia terminou sem água em torneiras e bebedouros, mas a Bienal do Livro corre para resolver a situação para esta quarta. O evento segue no Distrito Anhembi até o próximo domingo (15).