BRASÍLIA, DF, E RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebe nesta quarta-feira (20) o líder chinês, Xi Jinping, em Brasília, em uma visita para aprofundar laços entre os países, mas na qual não deve haver adesão à chamada Nova Rota da Seda.
A negativa ocorre após meses de pressão de Pequim para que o Brasil entre formalmente na iniciativa. Apesar disso, a visita de Estado terá assinatura de mais de uma dezena de acordos, além de solenidades no Palácio da Alvorada e no Itamaraty.
Serão assinados documentos em áreas como comunicação, infraestrutura e finanças nos dois últimos, haverá criação de grupos de trabalho para avançar nos temas. Além disso, os chefes de Estado fazem uma declaração conjunta na residência oficial do presidente.
O aprofundamento das relações com a China, por outro lado, abre mais espaço para investimentos e comércio com o país asiático, enquanto o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, prometeu durante a campanha impor tarifas a produtos importados mesmo de aliados.
Depois de participar do G20, Xi Jinping desembarcou em Brasília na tarde desta terça-feira (19), onde foi recebido pelos ministros Rui Costa (Casa Civil), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Ricardo Lewandowski (Justiça).
Na quarta-feira, o chinês será recebido no Palácio da Alvorada por Lula e pela primeira-dama, Janja. É incomum que chefes de Estado participem de cerimônias na residência oficial do presidente; elas costumam ocorrer no Planalto. Segundo o governo brasileiro, foi uma decisão conjunta.
Toda a visita é cercada de cuidado com a segurança. Além do acesso restrito, a comitiva reservou um hotel inteiro em Brasília para acomodar os integrantes da delegação. O local fica à beira do lago Paranoá e é o mais próximo da Alvorada.
O anúncio da entrada do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota, o projeto chinês de investimentos, é há anos uma demanda da China que permeou a discussão de acordos entre os países e dividiu o governo brasileiro.
Interlocutores que acompanharam as negociações disseram que, no saldo geral, não seria positivo para o Brasil aderir à iniciativa, que hoje tem poucos países de peso. Além disso, nas mais recentes rodadas de conversa entre os dois países, os chineses teriam demonstrado que não seria mais tão vital a adesão à proposta, mas sim parcerias em investimentos de diferentes frentes.
Há uma avaliação na diplomacia brasileira de que o Brasil não precisa aderir ao projeto para acessar investimentos chineses, dada sua posição como maior país latino-americano e grande exportador principalmente de alimentos para a China que pressiona para que Brasília declare entrada no projeto.
A pressão, mas em sentido oposto à de Pequim, vem também do outro lado do contencioso geopolítico. No final de outubro, Katherine Tai, representante de Comércio dos EUA, afirmou em evento em São Paulo que o Brasil deveria pesar os riscos de aderir à iniciativa chinesa, mencionando questões de soberania nacional.
Há preocupações da ala econômica do governo, por exemplo, que se mostra mais cautelosa com a adesão e buscava adicionar condicionantes e mecanismos, como transferência de tecnologia, em meio aos debates. Segundo um interlocutor do governo, a decisão de não aderir à iniciativa foi anterior à eleição de Trump.
Um alinhamento comercial mais profundo com a China tem o apoio da Casa Civil, de líderes e ministros do governo e da ex-presidente Dilma Rousseff, à frente do Novo Banco de Desenvolvimento, com sede em Xangai.
O ministro Carlos Fávaro (Agricultura) foi um dos que acharam positiva a adesão à iniciativa chinesa. “O Brasil não precisa criar contenciosos. No entanto, medidas protecionistas devem ser combatidas com a ampliação do leque de parceiros comerciais”, afirmou o ministro, em outubro, antes de se dizer favorável à ideia.
O assessor especial de Lula, Celso Amorim, voltou da China no fim daquele mês negando que havia interesse do governo em aderir formalmente à iniciativa e falando em aprofundar sinergias entre projetos prioritários chineses e brasileiros, como o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento).
A linguagem foi usada também pelo Itamaraty para se referir ao que se esperava da visita do líder chinês.
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, Xi utilizou expressão semelhante ”reforço das sinergias entre a Iniciativa Cinturão e Rota e as estratégias de desenvolvimento do Brasil” no único parágrafo que mencionava o projeto.
“No contexto de evolução rápida da nova rodada da revolução científica e tecnológica e transformação industrial, os nossos países devem agarrar as oportunidades futuras. Vamos promover continuamente o reforço das sinergias entre a Iniciativa Cinturão e Rota e as estratégias de desenvolvimento do Brasil, fortalecer constantemente a natureza estratégica, global e criativa da cooperação mutuamente benéfica China-Brasil, criar mais projetos exemplares que atendam a demandas futuras e trazem benefícios duradouros aos povos, e impulsionar o desenvolvimento comum dos nossos países e das nossas regiões”, escreveu Xi.
No artigo, Xi afirmou ainda que Brasil e China “entendem e apoiam os caminhos de desenvolvimento que o povo chinês e o povo brasileiro escolheram”.
O líder chinês esteve no Brasil pela última vez em 2019, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), para a cúpula do Brics, em Brasília.
A visita de Xi em 2024 coroa as comemorações dos 50 anos de relações diplomáticas Brasil-China e era vista como a oportunidade ideal para eventual anúncio do ingresso do Brasil na Iniciativa Cinturão e Rota.
Em abril, Lula fez uma visita de Estado a Xi, da qual saiu com 15 acordos assinados e afirmando que ninguém iria “proibir que o Brasil aprimore a sua relação com a China”. A adesão à iniciativa, no entanto, não foi efetivada.
Em seguida, em junho, uma comitiva de ministros liderada pelo vice-presidente Geraldo Alckmin com dezenas de empresários brasileiros foi à China para se reunir com altas autoridades e empresários do país asiático, como o chanceler Wang Yi também no Brasil para a visita de Xi e o encontro do G20, ocorrido no Rio.
Alckmin negou que a comitiva iria formalizar a adesão brasileira ao projeto, apesar de dizer que o tema estava em discussão. A negativa foi uma resposta a publicação do líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), dizendo que o grupo foi a Pequim para finalizar as tratativas.