SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse nesta segunda-feira (4) que discutiu com o primeiro-ministro da Alemanha, Olaf Scholz, os esforços para concluir o acordo comercial entre Mercosul e União Europeia, argumentando que o bloco europeu precisa definir se deseja um acordo equilibrado.
Ao lado de Scholz em entrevista coletiva em Berlim, Lula disse que vai trabalhar pelo acordo enquanto puder, dizendo que não fechar a parceria depois de 23 anos de negociação seria irracional.
“Eu não vou desistir enquanto não conversar com todos os presidentes e ouvir o não de todos”, disse Lula.
Scholz, por sua vez, afirmou que tanto a Alemanha quanto o Brasil querem que o acordo entre os dois blocos seja concluído.
A Espanha, que ocupa a presidência rotativa do Conselho da União Europeia, também acredita que as negociações podem ser fechadas até o fim deste ano, segundo uma fonte do Ministério da Economia espanhol ouvida pela agência Reuters.
O Brasil recorreu aos dois países europeus para tentar destravar as negociações, segundo afirmação feita pela secretária da América Latina e Caribe do Itamaraty, Gisela Padovan, na manhã desta segunda.
A embaixadora disse haver vontade política para chegar a um consenso que seja benéfico para os países de ambos os blocos.
A medida foi tomada após o presidente da França, Emmanuel Macron, ter declarado no último sábado (1º) que é contrário ao acordo por considerá-lo “antiquado”. Um dia depois, o comissário do comércio da União Europeia, Valdis Dombrovskis, cancelou a viagem que faria ao Brasil para acompanhar a reunião do Mercosul, que ocorrerá na quinta-feira (7), no Rio de Janeiro.
“Isso [a fala de Macron] não é uma surpresa, mas a gente está contando com países como a Alemanha e como a Espanha, que têm interesse, para buscar um acordo que seja bom para os dois lados. Tem que ser bom para nós também”, afirmou a secretária do Itamaraty.
Após as declarações de Macron, Lula afirmou que o Brasil não pode ser responsabilizado em caso de fracasso nas negociações.
“Se não tiver acordo, paciência. Não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil e que não digam mais que é por conta da América do Sul”, disse Lula no domingo (3).
Membros do alto escalão do governo brasileiro já dão como certo que a negociação com a União Europeia terminará sem acordo, já que o Brasil não cederá às novas condicionantes ambientais e é improvável que os europeus consigam articular posições de todos os países do bloco em uma semana.
“Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão. É sempre ganhar mais. E nós queremos ser tratados com respeito de países independentes. Vamos ver como vai acontecer na sexta-feira [dia 8]. Se não tem acordo, pelo menos vai ficar patenteado de quem é a culpa de não ter acordo”, afirmou Lula.
NEGOCIAÇÕES COMEÇARAM EM 1999
Desde 1999, os integrantes do Mercosul e os países da União Europeia negociam um acordo de livre-comércio. As conversas foram interrompidas em 2004 e retomadas em 2010.
A União Europeia é o segundo parceiro comercial do Mercosul, depois da China, e o primeiro em matéria de investimentos. Já o Mercosul é o oitavo principal parceiro comercial extrarregional da União Europeia.
O acordo entre a União Europeia e o Mercosul (bloco formado por Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) foi fechado em 2019, depois de anos de negociações, mas ainda não foi ratificado.
A demora ocorre principalmente por causa da Europa, com peso para o protecionismo agrícola e um movimento do bloco para incluir novos termos no acordo, como exigências ambientais e climáticas.
A França tem sido uma das principais forças de oposição ao acordo nos termos atuais. Os franceses defendem, por exemplo, que os produtos só entrem na UE se seguirem as mesmas condições que o bloco impõe internamente. Isso poderia afetar as exportações agrícolas brasileiras, tanto pela questão da preservação ambiental quanto pelo uso de agrotóxicos banidos na Europa.
Por outro lado, os espanhóis são considerados pelo governo brasileiro como favoráveis ao acordo, até pela proximidade com os países latinos.
O presidente Lula já prometeu concluir o acordo ainda em 2023, mas disse que os atuais termos são impossíveis de serem aceitos, defendendo uma renegociação do texto.
O petista tem criticado o que classifica como “ameaças de sanção” pelo bloco europeu, forças desiguais que fariam com que o Brasil fosse apenas um exportador de commodities e a abertura de licitações públicas para empresas estrangeiras (o que prejudicaria os produtores locais).
Em 2022, o Brasil exportou para União Europeia um total de US$ 50,9 bilhões, sendo petróleo, café e soja os principais produtos vendidos, segundo o ComexStat (plataforma de comércio exterior do governo). No sentido inverso, o país importou US$ 44,3 bilhões do bloco, sobretudo gasolina, fertilizantes e vacinas.
Lula se recusou a renegociar as condicionantes ambientais da Europa. A Folha apurou que, a caminho de Dubai, o presidente brasileiro afirmou a Celso Amorim, principal conselheiro do presidente para assuntos internacionais, que não faria concessões. O presidente ainda teria dito que, se os europeus não aceitassem o acordo até o dia 7 [data da cúpula do Mercosul, no Rio], teriam que esperar a eleição de outro governo no Brasil.
O que é o acordo?
Acordo facilitará o comércio entre o Mercosul e a União Europeia, eliminando o imposto de importação para mais de 90% dos bens comercializados entre os blocos depois de uma fase de transição. Também prevê viabilizar instrumentos de cooperação em desenvolvimento econômico, social, ambiental e industrial
Por que ele é importante?
O acordo envolve 31 países e promete ajudar a aprofundar as relações com o segundo parceiro comercial do Brasil e seu principal investidor estrangeiro. Quando concluído, deverá compor uma das principais áreas de comércio do mundo, envolvendo cerca de 750 milhões de pessoas e 25% da economia global
Quais serão os principais impactos?
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) estima que mais de 6.600 produtos deixarão de ter impostos de importação cobrados pela UE, e que 95% de todos os bens industriais tenham imposto de importação zerado em até dez anos
O que falta para começar a valer?
O acordo precisa ser ratificado, mas ainda esbarra em novas condicionantes ambientais pedidas pelos europeus, bem como divergências do governo brasileiro sobre prejuízos à reindustrialização do país