Investigação de ONG acha fluxo de gado entre Terra Indígena Apyterewa e JBS, Marfrig e Minerva

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Gado que foi criado em propriedades ilegais dentro da Terra Indígena Apyterewa, no Pará, entrou na cadeia de produção de JBS, Marfrig e Minerva, três dos principais frigoríficos do Brasil. A conclusão faz parte de uma investigação da ONG Global Witness divulgada nesta quinta-feira (26).

Os casos da JBS e da Marfrig são os que chamam mais a atenção nos dados reunidos na investigação, a que a Folha de S.Paulo teve acesso. Foram encontrados fornecedores diretos dos dois frigoríficos com indicação de criação bovina dentro da terra indígena.

A Global Witness é uma ONG focada em investigação de abusos humanos e ambientais em indústrias como a petroleira e a pecuária e nos fluxos financeiros envolvidos.

Entraram na cadeia logística da JBS e foram abatidas, de 2018 a 2023, 7.795 cabeças de gado de fazendas na Apyterewa, terra indígena mais desmatada no país. Desse total, 561 chegaram aos abatedouros da JBS diretamente de uma fazenda de São Félix do Xingu (PA) que estaria envolvida com criação de gado dentro da terra indígena.

Outras 7.234 cabeças são fruto da cadeia indireta de fornecimento da JBS. Em linhas gerais, isso significa o gado que foi criado ou engordado em uma fazenda na terra indígena, transferido para propriedades legais fora da área protegida —em uma espécie de “lavagem” do animal— e, aí sim, mandado para o abate em um frigorífico da JBS.

No caso da Marfrig, a investigação aponta 94 animais derivados de outra propriedade que teria criação dentro do território indígena. Outras 2.691 cabeças criadas ilegalmente na área protegida fariam parte da cadeia indireta da Marfrig.

A investigação encontrou ainda ligação entre a Minerva, por meio de sua cadeia indireta, e 277 animais criados na Terra Indígena Apyterewa.

Os três frigoríficos foram procurados, no início de setembro, pela Global Witness para se posicionar sobre o que foi achado na investigação. A JBS não enviou uma resposta. Inicialmente, a empresa pediu mais informações para a ONG sobre as movimentações do gado, e a entidade forneceu a lista de fazendas.

A empresa insistiu por mais informações e acabou não enviando uma resposta à ONG ou apontando problemas em relação aos dados indicados.

A Folha de S.Paulo procurou a JBS e apresentou dados públicos relacionados a fazenda fornecedora direta que teria gado oriundo da terra indígena. Em resposta, a JBS diz que a propriedade está bloqueada desde 1º de julho de 2020. “Nas compras antes disso, até o fim de 2019, a fazenda estava conforme a política vigente de aquisição de matéria-prima.”

A empresa diz não ter identificado nenhuma fazenda fornecedora direta dentro da terra indígena. Apesar disso, não informa porque a propriedade apontada pela Folha de S.Paulo e pela Global Witness foi bloqueada somente em 2020. O CAR (Cadastro Ambiental Rural, o registro que todas as propriedades rurais possuem) da fazenda em questão consta como suspenso e há apontamento de sobreposição com a terra indígena em questão.

A JBS diz usar monitoramento por satélite e que sua “política proíbe a compra de gado de fazendas que apresentem desmatamento ilegal, áreas de embargo ambiental, unidades de conservação e terras indígenas ou quilombolas, entre outros requisitos”.

A Marfrig, em resposta à Global Witness, afirmou que a propriedade citada pela ONG como fornecedora direta constava em seu banco de dados com geolocalização diferente, fora da terra indígena.

O relatório do MPF (Ministério Público Federal) “Boi Pirata”, uma das fontes de informação que embasaram a investigação da Global Witness, aponta, porém, tal propriedade no interior da área indígena e mostra GTAs (guias de trânsito animal) de transporte entre a fazenda e a Marfrig.

A Marfrig afirma, à Global Witness, que encerrou atividades no Pará em março de 2020. Em nota à ONG, não há menção ao restante do gado, proveniente de fornecedores indiretos. Diz também não comprar de propriedades em terras indígenas e que, tomando como referência junho de 2024, como parte do Programa Verde+, já consegue rastrear 87% dos fornecedores indiretos na amazônia e 73% no cerrado.

Também procurada pela Folha de S.Paulo, a Marfrig não respondeu até a conclusão da reportagem.

A Minerva, em resposta à Global Witness, diz “que não tem nenhum relacionamento direto com nenhuma das propriedades mencionadas que se sobrepõem à Terra Indígena Apyterewa”. Afirma também que avaliações mais detalhadas sobre fornecimento indireto não foram possíveis por falta de informações mais específicas dos proprietários de terra.

A Minerva reconhece, em mensagem à ONG, que o monitoramento de fornecedores indiretos permanece como um desafio para o setor.

Também procurada pela reportagem, a Minerva não respondeu.

RASTRO ECONÔMICO

A análise da Global Witness também aponta os ganhos econômicos de bancos com o financiamentos aos frigoríficos, inclusive de instituições brasileiras.

Segundo a ONG, o Barclays, banco britânico, teria ganho US$ 1,7 bilhão, no período em questão da análise, ao serem credores, globalmente, da JBS, liderando a lista de renda gerada. No top 10 aparecem bancos canadenses, dos EUA, Japão, Países Baixos e Espanha.

A análise leva em conta empréstimos e serviços de subscrição —em linhas gerais, ato pelo qual uma companhia coloca mais ações no mercado. A Global Witness aponta que, apesar de liderar a lista levando em conta esses serviços financeiros, a Barclays parece ter um financiamento direto à JBS do Brasil mais limitado.

No Brasil, a Global Witness aponta que o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e o BTG Pactual são as instituições financeiras que receberam as maiores quantias de renda a partir dos seus investimentos na JBS, inclusive nas operações da empresa no país, de 2018 a 2024. Elas ganharam, respectivamente, mais de US$ 500 milhões e mais de US$ 140 milhões, diz a análise.

Questionado pela Global Witness, o BNDES disse que, desde 2023, só são aprovados financiamentos de crédito rural para imóveis sem indícios de desmatamento ilegal.

O banco brasileiro afirmou também que o BNDESPAR atua como “acionista minoritária, transitória e não executiva” da JBS e que não participa da gestão da empresa.

“No entanto, reconhecendo a relevância do caso citado e visando sempre induzir as melhores práticas de governança corporativa e sustentabilidade por parte das companhias investidas, o BNDES dará ciência dos fatos aqui relatados a seus representantes no Conselho de Administração da empresa para que esses possam, observado o respectivo dever de diligência e demais deveres legais aplicáveis, aprofundar-se nas medidas tomadas pela empresa em relação à Terra Indígena Apyterewa, bem como, induzir a JBS a, continuamente, dedicar esforços na sustentabilidade e nas melhores práticas ambientais da sua cadeia de produção, inclusive em relação ao rastreamento do gado adquirido”, disse, em nota, o BNDES.

O BTG, por sua vez, disse à Global Witness que suas transações “passam por um rigoroso processo de diligência socioambiental”, baseado em normas do Banco Central do Brasil e do Conselho Monetário, legislação socioambiental e climática nacional e internacional.

COMO FOI FEITA A INVESTIGAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

O relatório da Global Witness foi feito em parceria com o CCCA (Center for Climate Crime Analysis) e com o grupo de pesquisa Profundo.

O CCCA foi o responsável pela análise da cadeia produtiva das empresas citadas na reportagem. O grupo usou como base para cruzamentos de dados o mapeamento feito pelo MPF para produção do relatório “Boi Pirata”, expulsões da terra indígena promovidas pela Funai e nomes que integram a Associação dos Pequenos Produtores Rurais do Projeto Paredão —que, em 2023, requisitou ao STF (Supremo Tribunal Federal) a suspensão da retirada de invasores da Apyterewa.

Dados de GTAs também fizeram parte da análise do CCCA.

O grupo de pesquisa Profundo, por sua vez, foi o responsável pelas análises de investimentos e conexões de crédito com a JBS. Não houve análise em relação aos outros frigoríficos.

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