SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A quadrinista Emil Ferris se arrepende de ter jogado fora as canetinhas que usou para desenhar os dois volumes de “Minha Coisa Favorita é Monstro”. Ela acredita que daria para construir uma casa inteira com todas as Bic usadas por ela para ilustrar as 840 páginas de seu épico de terror e policial sobre as investigações da jovem “lobismoça” Karen Reyes em torno do misterioso assassinato de sua vizinha, Anka Silverberg.
“Eu deveria tê-las colocado em um depósito e construído essa casinha com elas, para que as pessoas pudessem entender o que vivi”, diz Ferris, brincando, mas não tanto, em conversa por vídeo em seu estúdio na cidade de Milwaukee, a cerca de 130 km de Chicago. “Estou olhando para várias caixas de caneta. Tenho provavelmente 10 mil, 20 mil, 30 mil canetas. Só esperando. Só esperando. E vou usar todas elas, rapidamente”.
O segundo livro de “Minha Coisa Favorita é Monstro” chegou às livrarias brasileiras poucos meses após o lançamento de sua edição original em inglês. Assim como o primeiro livro, publicado nos Estados Unidos em 2017 e no Brasil em 2019, a obra impressiona inicialmente pela arte de Ferris. Trata-se do caderno de Karen Reyes, com suas impressões e descobertas em torno da morte de sua amiga.
A jovem protagonista de Ferris perdeu um pouco de sua inocência entre os dois livros e passou a dar mais atenção às transformações sociais e políticas de Chicago do fim dos anos 1960. Em meio a idas e vindas aos museus locais e conversas com seu irmão tatuador e desenhista (e suspeito do assassinato de Anka), ela descobre sobre suas origens e passa a compreender melhor as muitas nuances do mundo ao seu redor.
“As pessoas perguntam, por que o segundo livro demorou tanto?. Bem, quando você percebe que tem tanta responsabilidade ”, diz Ferris sobre os sete anos que levaram entre as duas edições. “Porque as pessoas vão ler isso e vai importar para elas. Vai afetá-las. Então não se trata mais de algo pequeno, não é apenas aqui está o meu quadrinho. Você reconhece o poder que tem como pensadora, como artista, e precisa compreender o significado disso.”
As expectativas em torno do segundo “Minha Coisa Favorita é Monstro” decorrem do sucesso do primeiro livro. A obra original chegou às livrarias em 2017, após ser recusada por 48 editoras, com Ferris à beira da falência.
O livro ganhou três Eisner Awards de melhor álbum, melhor escritora/artista e melhor colorista, a premiação máxima da indústria de quadrinhos dos Estados Unidos, e também o Fauve DOr 2019, prêmio do tradicional Festival de Angoulême, na França. Os direitos de adaptação dos livros para o cinema foram adquiridos pelos estúdios Sony.
O novo volume de “Minha Coisa Favorita é Monstro” também deverá acumular vários troféus na temporada de premiações dos quadrinhos de 2025. Além de se aprofundar nas investigações Karen, Ferris investe
na paixão da protagonista pelas personalidades singulares ao seu redor. Os dois livros acabam sendo uma grande ode à arte como salvação para mentes criativas.
“Houve tantos artistas que me deram esperança e me ajudaram a imaginar um mundo onde talvez eu pudesse ter um lugar”, reflete Ferris sobre o impacto da arte em sua formação. “Porque a trajetória dos monstros nem sempre é segura, assim como a trajetória dos artistas nem sempre é segura. Então esses poucos momentos em que eu pude ver isso, na beleza de Gauguin e Van Gogh e Frida Kahlo e Diego Rivera e Goya. As muitas coisas bonitas que eles deixaram para trás são uma prova de seu sucesso em apenas sobreviver no mundo e seguir vendo sua beleza. São um presente de suas existências”.
“E é isso que eu queria, é o que a Karen quer. E acho que é o que a maioria de nós quer: encontrar alguma maneira de nos mantermos por aqui, é difícil”, afirma.
As dificuldades de Karen só aumentam no segundo “Minha Coisa Favorita é Monstro”, mas ela encontra refúgio em um ciclo de párias sociais crescente na Chicago conturbada do fim dos anos 1960. Após a morte de sua mãe ao final do primeiro livro, a garota se vê abrigada e protegida por homossexuais, hippies, anarquistas e várias outras minorias antissistema. E enquanto tenta solucionar um crime, ela acaba desvendando também sua própria identidade.
Os sete anos de intervalo entre os dois “Minha Coisa Favorita” também foram fomentados por uma briga jurídica entre Ferris e a editora original dos livros, Fantagraphics. As duas partes entraram em atrito devido aos atrasos da autora e depois surgiram acusações mútuas de quebra de contrato.
O segundo livro saiu como o combinado, mas um terceiro, um prólogo, com o título “Records”, será lançado em data ainda não definida pela gigante Pantheon. Trata-se do foco atual de Ferris.
A obra vai se aprofundar na relação entre Karen Reyes e Anka Silverberg, antes do assassinato que serve de ponto de partida para os dois livros já lançados.
“Eu não tinha ideia de que faria algo na minha vida que teria tanto impacto”, segue a quadrinista sobre a repercussão do primeiro livro e os elogios à continuação. “Eu simplesmente não podia imaginar, sabe? Estou feliz, sou grata, mas fiquei surpresa com isso. Sendo honesta, ainda fico surpresa quando vou a eventos. É uma experiência maravilhosa”.
“É por isso que a arte é tão importante: você lê um livro, ouve música, assiste a uma dança, vê pinturas e começa a entender o que outra pessoa sentiu e isso é uma ressonância com outro ser humano. Isso tira você de si mesmo, faz você reverberar em outra vida e isso se chama empatia. E isso é lindo e perfeito e bom e significativo e poderoso. E temos que ter muito mais disso”.
MINHA COISA FAVORITA É MONSTRO – LIVRO 2
– Preço R$ 189,90 (424 págs.)
– Autoria Emil Ferris
– Editora Companhia das Letras
– Tradução Érico Assis