SÃO PAULO, SP(FOLHAPRESS) – Quando se preparava para viver Jean Milburn, a terapeuta sexual da série “Sex Education”, a atriz Gillian Anderson, mais conhecida por seu trabalho em “Arquivo X”, leu o livro “Meu Jardim Secreto”, de Nancy Friday, publicado em 1973.
Ali, mulheres comuns falavam sobre fantasias, tesão, masturbação. Anderson ficou impressionada com a honestidade com que contavam seus segredos sexuais, de maneira íntima e direta, sem filtros.
Em meio século, muita coisa mudou na maneira como nos relacionamos. Curiosa para entender as transformações sociais no campo dos desejos, a atriz criou o projeto “Querida Gillian” que, por meio de um site, convidou as mulheres a mandarem cartas anônimas compartilhando pensamentos em relação às suas vidas sexuais.
Foram quase mil páginas, escritas por gente do mundo todo, de idades variadas. O trabalho da atriz foi fazer uma seleção daquelas que representassem a maior número possível de vozes, países, origens, religiões e identidades sexuais. Esse compilado resultou no livro “Desejo – Mulheres do Mundo Todo Revelam Suas Fantasias de Amor e Sexo”.
A obra é dividida em 13 capítulos, cada um deles dedicado a um tipo de desejo, mas os recortes não são precisos, já que muitas fantasias esbarram em mais de um tema.
Por exemplo, há um dedicado aos tabus e outro para o sexo não convencional. Um aborda voyeurismo e outro, a vontade de ser venerada. Mas isso não chega a comprometer, porque o mais interessante é se dar conta das infinitas possibilidades, combinações e personagens envolvidos.
Como a autora menciona na abertura do capítulo final, “o que queremos da nossa vida sexual é tão variado quanto o que queremos do trabalho, dos nossos relacionamentos e do amor”. “Há multidões dentro de nós.”
Algumas das colaboradoras se consideram feministas, mas se excitam justamente quando o homem toma as rédeas do encontro, da reserva no restaurante à iniciativa na hora do sexo, e elas só obedecem.
Para Anderson, as mulheres lutaram tanto pela inversão de papéis que não chega a surpreender que o tema predominante em centenas de cartas tenha sido justamente o poder: dominação, submissão e o jogo por vezes fascinante entre um e outro.
Ela toma o cuidado de fugir do personagem de terapeuta que interpreta na série e deixa claro que não tem a intenção de analisar essas cartas. Também evita qualquer julgamento, por mais surreais que pareçam algumas das fantasias. E a diversidade impressiona.
Há mulheres que ficam excitadas ao se imaginar transando com um alienígena, as que sonham em ser penetradas por um tentáculo e uma que chega ao orgasmo quando esbarra em maçanetas.
O grau de sofisticação é surpreendente. Elas são capazes de descrever a ambientação, os cheiros, os sons, as roupas, criam verdadeiras atmosferas para as histórias acontecerem.
Para Anderson, a força das fantasias está justamente no fato delas serem as autoras das próprias tramas sem julgamentos ou consequências sociais. A insatisfação com a vida sexual que levam também é um motor que faz as mulheres irem tão longe.
Uma pesquisa realizada pela marca de bebidas de Anderson, a G Spot, mostrou que as mulheres têm mais facilidade em atingir o clímax sem o parceiro do que com eles. A justificativa é que elas conhecem melhor seu corpo, o que indica falta de comunicação entre o casal, além da pouca curiosidade por parte dos homens em desbravar o corpo feminino.
“Amo meu marido, de coração e alma. É o amor da minha vida? Provavelmente. É a melhor pessoa para acender a faísca da minha vagina? Não se sabe. Estou com 40 anos, minha vida sexual nunca foi grande coisa e, infelizmente, não é meu marido quem pode dar um jeito nisso”, diz a carta de uma mulher que só chega ao orgasmo pensando em seu cunhado.
Também chama a atenção a curiosidade em experimentar o sexo com outras mulheres, mesmo entre as que se declaram heterossexuais. Pode ser a terapeuta, a vizinha ou a melhor amiga.
“Casei com um homem antes de me permitir saber mais sobre a minha sexualidade (…) Sou grata por meu rico mundo interior, que me permite fantasiar sobre algo que talvez nunca tenha a chance de experimentar na vida real”, diz uma das cartas.
Se as cartas são variadas, há um tema recorrente em quase todas as fantasias: ser desejada. Embora pareça apenas narcisismo ou insegurança, as mulheres veem na devoção sexual do outro uma validação de sua beleza, sua inteligência e seu sex appeal.
Uma delas lembra que as mulheres são levadas a acreditar que os homens querem sexo o tempo todo. Não se fala que muitas vezes eles não querem transar porque estão deprimidos, cansados, inseguros. E se elas estão em um relacionamento sem sexo, acham que o problema está nelas.
Como diz outra das cartas, a essa altura da vida, ela imaginaria desejar algo muito mais espetacular. No fundo, quer apenas ser vista. Como bem entendeu Anderson, é uma necessidade simples, mas urgente.