Gestor de R$ 1,7 trilhão evita ir ao shopping de bermuda e chinelo

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A história marcou Ana Carolina Ferreira da Silva, 29. Ela estava em seu primeiro emprego, em uma agência de telemarketing, e tinha o mesmo cabelo crespo que usa hoje. A gestora a chamou para dar uma “sugestão que seria boa para a sua carreira.”

“Ela perguntou se eu nunca tinha pensado em alisar o cabelo porque do jeito que usava era um pouco informal. Deixava um pouco desleixado. E aquele era um dia em que eu estava me sentindo linda”, conta a agora trainee do Itaú Unibanco.

Denísio Liberato, 45, apenas balançou a cabeça ao escutar o relato. Ficou contrariado, mas não surpreso. Os dois nunca tiveram um chefe negro. Ambos já passaram por situações de preconceito velado ou explícito, como no caso relatado por Ana Carolina.

Denísio e Ana Carolina se encontraram a convite da Folha para a série Na Real, inspirada no Dia da Consciência Negra, comemorado nesta quarta (20). Neste capítulo, a proposta era discutir a presença do negro no mercado financeiro e as dificuldades encontradas.

A série tem sido publicada semanalmente durante o mês de novembro. O último capítulo será no próximo dia 26.

Liberato é diretor-presidente do BB Asset, gestora de recursos do Banco do Brasil e a maior empresa do ramo da América Latina. Tem sob sua gestão recursos estimados em R$ 1,7 trilhão. Ele é o primeiro negro a ocupar a posição em um setor, o do mercado financeiro, dominado por brancos.

“Um amigo meu perguntou se eu tinha visto quem era o novo presidente do BB Asset. Disse que era negro. E eu fiquei pensando como isso ainda chama a atenção. O ideal é que não chamasse, não é?”, pergunta ela.

“Mas se chama a atenção no aspecto positivo serve para estimular pessoas como você”, constata Denísio para a jovem, que cresceu no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro.

Ela sonha em se especializar no setor de crédito para pessoas de baixa renda. Esta é uma área que considera importante para famílias como a dela.

A trajetória de Ana Carolina foi planejada. Ela tentou mais de uma vez entrar no programa de trainee do Itaú Unibanco, algo que almejou por muito tempo. Falhou em uma das entrevistas porque faltou confiança, confessa. A de Denísio foi mais ao acaso.

O banqueiro nascido em Ubá, principal polo noveleiro de Minas Gerais, cursou economia depois de analisar a relação candidato-vaga e ver que era a mais provável de aprovação no vestibular em universidade pública. Seu pai, pedreiro, e mãe, dona de casa, não tinham nenhuma condição de pagar uma instituição privada.

Ele administra quase R$ 2 trilhões de recursos mas, quando quer ir ao shopping perto de sua casa no Leblon, zona do sul do Rio de Janeiro, pensa por alguns segundos. Qual a roupa que está vestindo?

“Eu não gosto de ir de chinelo e bermuda. Às vezes você quer lá comprar alguma coisa rapidinho. Se eu for de chinelo e bermuda, posso ser abordado [por segurança] ou o guarda ficar seguindo. Então tem de pôr uma calça e camisa melhores”, afirma.

É uma realidade compreendida por Ana Carolina, que também não costuma sair de chinelo e camiseta regata pelos mesmos motivos.

Em reuniões de trabalho, Liberato já sentiu olhares enviesados por ser o único negro à mesa. Passou por situações criadas para que achasse não estar à altura do assunto discutido. Algo estranho para o professor e doutor em economia pela FGV (Fundação Getúlio Vargas).

“Às vezes, você precisa ser um pouco mais grosso. Até passar um pouco de arrogância para mostrar que você tem o espaço [naquele ambiente]”, completa.

Aquilo é um conselho para Ana Carolina. Ela pouco saía do Complexo do Alemão quando era criança porque sua avó tinha medo do que aconteceria se a menina fosse passear pela Lagoa Rodrigo de Freitas, na zona sul, por exemplo.

“Em São Paulo, eu convivo com mais pessoas negras e o que percebo é sempre essa questão de precisar mostrar mais, alcançar mais. Quando recebo uma avaliação, penso se não poderia receber mais e vejo isso nos meus colegas negros também. Não enxergo a mesma postura na mesma situação quando se trata dos meus colegas brancos. Neles, vejo mais confiança”, confessa.

Estes são assuntos discutidos, afirma o diretor-presidente, em grupo de afinidade étnica do BB Asset. Ele tenta levar este tema adiante como estímulo para que mais negros cheguem a postos de liderança no mercado financeiro. Para que outros negros tenham líderes negros, algo que Liberato nunca encontrou.

Denísio aconselha Ana Carolina a ser muito específica no que quer se especializar e investir nisso. Dedicar seu tempo e estudos a um objetivo específico. Opina que este é o caminho para ascender na hierarquia de um gigante como o Itaú Unibanco, com valor de mercado de R$ 312,7 bilhões.

“Sou amigo da Roberta Anchieta, a primeira diretora negra do Itaú. Vou pedir para ela bater um papinho com você”, afirma.

Ana Carolina fica feliz com a oferta.

“O que vou levar da nossa conversa é ter a confiança no que eu entrego e acreditar em que eu sou. Porque o lugar que estou hoje já é uma grande realização. Para mim, é só o começo”, agradece ela.

Poderia ser o fim da conversa, mas ao dizer que sua maior referência na vida é a atriz Taís Araújo, Liberato conta ter um conhecido que é muito amigo dela e de seu marido, o ator Lázaro Ramos.

“Vou falar com ele e pedir para fazer essa ponte, marcar um almoço para vocês se conhecerem.”

Ana Carolina fica estupefata mas, por via das dúvidas, pede o número do diretor-presidente do BB Asset para não deixá-lo esquecer da promessa.

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