França se mobiliza contra acordo com Mercosul; Europa, nem tanto

BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – O acordo entre Mercosul e União Europeia tem chance de sair do papel após mais de duas décadas? Há quem acredite em um anúncio durante a reunião do G20, nesta semana no Rio, ou até o fim do ano em Bruxelas. Na dúvida milhares de fazendeiros franceses voltaram a ocupar ruas e estradas de seu país contra a iniciativa.

O movimento fez o primeiro-ministro, Michel Barnier, alertar Bruxelas de que a assinatura do tratado de livre comércio poderia criar uma onda de confusão não apenas na França, mas por toda a Europa. Tamanha ameaça sinalizaria a iminência de uma assinatura, mas a verdade é que traduz mais o momento político europeu.

Associações de fazendeiros encontram guarida nos discursos de direita e extrema direita, e ao menos na Alemanha e na Holanda essa proximidade é efetiva. Bater em um acordo de livre comércio, que ameaça “o modo de viver” do interior da Europa, como se lê em cartazes e tratores das manifestações, se encaixa no corolário habitual desses políticos, quase sempre xenófobos, protecionistas e antiglobalização.

Algo semelhante se deu no recente adiamento da lei antidesmatamento. Além de dilatar o prazo de implantação, o ascendente bloco conservador no Parlamento Europeu ainda conseguiu transfigurar a legislação, que também impunha controle sobre setores extrativistas do continente. O lobby composto por Brasil, EUA, China e outros países teve assim um decisivo apoio interno de setores retrógrados.

Porém o acordo com o Mercosul reúne importantes defensores. À frente nas discussões, Alemanha, Espanha e Itália vislumbram um salto das próprias exportações com o tratado de livre comércio, que começou a ser desenhado em 1999. Para montadoras alemãs, por exemplo, funcionaria como válvula de escape para uma crise sem precedentes. Na Europa, as marcas convivem com defasagem tecnológica, guerra tarifária com a China e uma perspectiva de mais medidas protecionistas vindas dos EUA com a volta de Donald Trump ao poder.

O acordo criaria um mercado comum de 780 milhões de pessoas e um fluxo de comércio de até R$ 274 bilhões em produtos manufaturados e agrícolas. Os fazendeiros europeus, por outro lado, listam diversas preocupações, como a quota de carne a ser importada pelo bloco sob uma tarifa básica de 7,5%. Alegam que a competição seria desleal, pois a produção na América do Sul seria mais leniente em termos sanitários, ambientais e sociais.

Uma auditoria da União Europeia, publicada no mês passado, aponta que o Brasil não consegue dar garantias de que sua produção de carne não faz uso de um hormônio de crescimento banido no continente há décadas. A itens desse tipo se somam as considerações ambientais de praxe, bem conhecidas do público brasileiro.

Ainda que o acordo seja anunciado neste fim de ano, sua aprovação ainda demandaria um processo longo e complexo: os 27 estados da União Europeia teriam que aprová-los, assim como o Parlamento Europeu; em uma etapa seguinte, os Parlamentos de cada país do bloco teriam que submetê-lo a voto e avalizá-lo.

Um jeito de acelerar o trâmite seria fatiar o tratado, deixando a parte comercial separada de outros itens de regulação e cooperação. Dessa forma, a aprovação sairia com o voto de apenas 15 países, desde que reflitam ao menos 65% da população da UE. Por essa matemática e pelas posições de diversas nações tornadas públicas até o momento, a França estaria em uma minoria.

Restaria ao governo francês, então, acenar com a propalada confusão que uma decisão desse tamanho acarretaria no continente. Neste ano, a Comissão Europeia tem sido bastante sensível a bandeiras caras à direita, como medidas anti-imigração. Tem pesado no debate e nas decisões a ascensão de políticos e partidos extremistas no Parlamento Europeu e em eleições internas de diversos países.

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