Filme ‘O Clube das Mulheres de Negócios’ traz Bolsonaro mulher e sexismo às avessas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Numa primeira olhada, “O Clube das Mulheres de Negócios” parece uma comédia de costumes como “Não Sou um Homem Fácil”, que também imaginou um mundo em que os papéis de gênero se invertem. Não é à toa —foi assim que Anna Muylaert havia imaginado seu novo filme.

Quando viu o longa francês da Netflix, porém, percebeu que precisaria ir além. Assim, fez do roteiro uma mistura de gêneros que extrapolam a comédia, usando as mulheres poderosas que o protagonizam como peões de uma trama extremamente política, que envolve crime, muitas mortes e onças em fuga.

“Se as mulheres fossem donas do mundo, elas agiriam igual? O poder as corromperia também?”, questiona a diretora, ao falar da concepção do roteiro. “Eu, particularmente, acho que não. Mas eu quis fazer um filme que fizesse perguntas em vez de dar respostas.”

“O Clube das Mulheres de Negócios” acompanha uma reunião na sede da instituição do título. São convidadas expoentes de diferentes áreas, para tratar de um investimento no que Cesárea, personagem de Cristina Pereira, deseja ser a maior rave do país. Seus negócios vão mal, ao que parece, e por isso a empreitada um tanto fora do tom.

Estão na lista uma cantora de funk vivida por Polly Marinho; a candidata a presidente de Irene Ravache; a outra candidata e entusiasta do armamento da população de Katiuscia Canoro; a empresária do agronegócio de Grace Gianoukas; a milionária líder evangélica de Shirley Cruz; a advogada de Helena Albergaria e a misteriosa personagem de Ítala Nandi. Elas são servidas por Brasília, uma espécie de governanta vivida por Louise Cardoso.

Algumas são acompanhadas dos maridos mais jovens, incansavelmente traídos e com looks que deixam escapar coxas e peitorais musculosos. Eles se juntam ao fotojornalista Jongo, papel de Luís Miranda, e ao jornalista inexperiente Candinho, personagem de Rafael Vitti.

A dupla está no clube para entrevistar as suas integrantes, numa cobertura chapa-branca armada por Cesárea, que é avó do jovem. Mas Candinho, com seu cropped e unhas coloridas, logo descobre que nem os laços familiares podem salvá-lo daquele universo ferozmente feminino –a ficha cai quando uma das mulheres põe os seios para fora, depois de ser questionada sobre uma série de denúncias de assédio sexual.

“Apesar de achar que um mundo em que as mulheres ditam as regras seria melhor, mais colaborativo, eu quis inverter o machismo para mostrar como ele é um sistema de regras que desvaloriza a mulher, os pretos, a natureza. O patriarcado é algo muito abrangente e dita os rumos do Brasil, então o filme é mais sobre poder do que sobre gênero em si”, diz Muylaert.

Também entrou no roteiro a fuga de três onças que Cesárea mantém enjauladas em seu clube. A partir daí, “O Clube das Mulheres de Negócios” mergulha num suspense sanguinário, no qual tanto homens quanto mulheres podem ser engolidos pela força da natureza.

Inicialmente, a ideia era usar onças reais, mas o filme esbarrou nas limitações impostas pelo Ibama. Foi preciso recorrer ao CGI –imagens geradas por computador–, tecnologia custosa que estouraria o orçamento de Muylaert. Ela procurou, então, um velho amigo de faculdade, dono de uma produtora de publicidade, e o convenceu a embarcar na empreitada por um valor abaixo do mercado.

Há interpretações diversas para a forte presença dos animais, que se apossam do filme conforme ele se desenrola. Mesmo que eles engulam a trama, porém, o humor continua latente, em cenas como aquela em que Katiuscia Canoro se propõe a caçá-los.

De espingarda na mão, gritando termos chulos para reforçar sua feminilidade e acompanhada das duas sobrinhas bajuladoras, a personagem remete, inevitavelmente, a Jair Bolsonaro, que em seus anos de presidência fazia gesto de arminha, falava sobre ser “imbrochável” e carregava os filhos para qualquer canto.

Muylaert diz que a semelhança foi proposital, apesar de a ideia para “O Clube das Mulheres de Negócios” ter surgido antes mesmo da eleição do representante da extrema direita. “Ela é o Bolsonaro, mas não só”, afirma a diretora de longas como “Que Horas Ela Volta?” e “Alvorada”, em que registrou o impeachment de Dilma Rousseff.

“Ela representa todos esses líderes narcisistas em atuação hoje. O Elon Musk, o novo rei do mundo, e por aí vai. Eu vejo esse filme como ‘O Rei da Vela’, com a adição de personagens de um Brasil mais recente”, afirma, numa tentativa de replicar a acidez cômica da sátira política escrita por Oswald de Andrade e eternizada no teatro por Zé Celso.

O Clube das Mulheres de Negócios

Quando Em cartaz nesta quinta-feira (28)

Classificação 18 anos

Elenco Irene Ravache, Cristina Pereira e Rafael Vitti

Produção Brasil, 2024

Direção Anna Muylaert

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