PEQUIM, CHINA (FOLHAPRESS) – No último final de semana, num cinema amplo e tradicional do distrito de Chaoyang, em Pequim, só foi possível assistir à sessão da tarde da animação “Ne Zha 2” sentado na segunda fileira. A sala lotou, no auge do Festival da Primavera, os oito dias do feriado do ano novo chinês.
O filme arrecadou mais de 6,2 bilhões de yuans cerca de R$ 4,9 bilhões em dez dias, tornando-se a maior bilheteria da história do país, deixando para trás “A Batalha do Lago Changjin”, de 2021. A mobilização de público não dá sinal de diminuir, com analistas chineses projetando uma bilheteria de 10,8 bilhões de yuans, quando deixar o cartaz.
“Ne Zha 2” vem sendo comparada ao videogame “Black Myth: Wukong”, não só pelo êxito comercial, mas porque ambos se baseiam em mitos chineses bastante conhecidos das crianças e dos adolescentes.
Ao final da sessão, um deles, de 14 anos, explicou que personagens haviam sido alterados no correr do filme, confundindo os sinais entre o bem e o mal, resultando em trama complexa e envolvente. Mais especificamente, aos poucos a Corte Celestial, um grupo de personagens antes benigno e paternal, se revela manipulador e opressivo.
Frases reproduzidas do filme agora ecoam em mídia social, acentuando possíveis leituras geopolíticas. São os casos de “Meu destino é decidido por mim, não pelos deuses” e “Você diz ser a luz do mundo, mas o que está fazendo é ‘bullying’ com os fracos e criando problemas no mundo”.
Também vêm sendo destacadas imagens reproduzidas do filme, como um aparente cifrão de dólar ou, mais obviamente, uma águia como aquela do selo oficial americano o que parece confirmar a identificação da Corte Celestial com governantes dos Estados Unidos.
Por outro lado, assim como o rei macaco de “Black Myth: Wukong”, o Ne Zha da animação é rebelde diante da autoridade, seja qual for, com uma possível leitura política interna –que alguns poucos já anotaram, também em mídia social.
Sobre isso, o produtor Wang Jing afirmou, em entrevista ao Global Times, de Pequim, que o filme buscou um equilíbrio entre a devoção filial e o individualismo contemporâneo.
No caso do adolescente e de uma criança de nove anos, ambos da família chinesa que acompanhou o filme junto com a Folha, eles se mostraram mais impressionados com a riqueza visual e da história de “Ne Zha 2”. Não esconderam o orgulho com a qualidade alcançada, a exemplo do game no ano passado.
A animação, que tem como subtítulo “A Vingança da Criança Diabo”, é sequência de outra, de menor repercussão, de 2019. Naquela, os protagonistas Ne Zha e Ao Bing haviam se sacrificado no final, perdendo seus corpos.
Nesta, o corpo de Ne Zha é reconstruído e tem dificuldade para controlar os seus poderes, até amadurecer em batalha e surgir adolescente. Ao Bing também recupera seu corpo, e os dois amigos enfrentam as forças que buscam manipulá-los ou dominá-los.
Eles contrastam com os personagens de mães e pais acrescentados, em cenas de maior dramaticidade que provocam, como se percebia na sala, lágrimas. Também há dragões-reis e muitos mais.
Apesar de suas duas horas e meia, as crianças no cinema se mantiveram atentas, sem barulho ou impaciência, sobretudo nos 20 minutos finais, de batalha quase incessante. Para tanto, também ajuda o humor presente nos diálogos, praticamente de comédia.
O desenvolvimento dos conflitos e personagens se somou aos efeitos visuais grandiosos, também acumulando complexidade e riqueza, inclusive na violência coreografada, de arte marcial.
Segundo seus criadores, a composição do combate final, por exemplo, teria envolvido 200 milhões de elementos gráficos. O resultado é bem diverso das animações costumeiras, tanto chinesas como americanas.