Falta de padronização de roupas frustra mulheres, que têm dificuldade para comprar tamanhos certos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Esse é um P grande” ou “esse G é pequeno” são frases comuns de serem ouvidas na hora de comprar uma peça de roupa. No Brasil, é difícil saber ao certo qual a numeração correta de uma calça jeans ou camiseta sem antes provar o item.

Para exemplificar o problema, não é de hoje que nas redes sociais pipocam vídeos de mulheres vestindo calças de numerações diferentes para mostrar a discrepância, como é o caso da arquiteta Stéphanie Freitas, 29.

Em uma das postagens, registrada dentro de uma loja de departamentos, Stéphanie vestia três calças diferentes, todas da numeração 40, mas apenas uma delas serviu -das outras duas, uma ficou grande e outra apertada.

“Eu estou em processo de emagrecimento, então é frustrante quando isso acontece porque parece que não estou tendo resultado”, relata a arquiteta.

Antes de ir até uma loja realizar uma compra, ela diz dar preferência para o e-commerce, exceto quando precisa de calças jeans. Por conta da imprecisão dos tamanhos, ela sempre opta por provar antes de comprar esse tipo de peça.

Mas a discrepância não é exclusiva dos jeans. Em um episódio recente, Stéphanie diz que comprou uma calça de tecido fluido e gostou tanto que quis uma igual, mas de cor diferente. Ao pedir a segunda peça, de mesmo modelo e tamanho, a surpresa: ficou apertada.

O problema é o mesmo compartilhado pela designer Mariane Santos, 31. Recentemente ela acompanhava a mãe que procurava um sutiã específico em uma marca em que sempre compra, ao provar o item do tamanho que está habituada a comprar, mesmo sem engordar, não serviu, o que gerou frustração e a fez desistir da compra.

“Isso gera um susto. A gente fica meio acuada porque parece que realmente existe uma intenção da marca ali”, afirma a jovem.

Em uma das ocasiões, ela diz que tentou comprar a peça em uma loja destinada ao público plus size porque a grade maior da loja convencional não servia, mas o item no menor tamanho do comércio especializado ficou grande. “Tenho sentido dificuldade para encontrar calças, seja por tamanho, por numeração ou por conta dessa disparidade de tamanhos na própria loja e modelagem”, afirma.

Para as compras online, ela diz gostar de utilizar calculadores que algumas marcas disponibilizam no site, ferramenta que facilita na hora de descobrir o tamanho da peça a ser adquirida. “Foi uma medida que achei interessante, apesar de ainda comprar pouca roupa online justamente pelo medo e pelo trabalho de, caso não sirva, precisar devolver.”

A ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas) possui um conjunto de normas com uma realidade metrológica para a medição das roupas, a CB 17, conforme explica Maria Adelina Pereira, superintendente do comitê de têxteis da organização.

Mas apesar do documento, a associação não tem o poder de fiscalizar se as marcas estão, de fato, seguindo esse protocolo de centímetros e tamanho. Segundo Maria Adelina, isso pode estar relacionado a questões mercadológicas, como a quantidade de confecções que produzem para as marcas de roupas, importação e a variedade de biotipos brasileiros.

Uma das sugestões para que as marcas deixem mais claro os tamanhos numéricos, ou por letras, das roupas é associando isso a centímetros, por exemplo, para que o consumidor consiga comparar com base no seu próprio tamanho de busto, quadril e cintura, assim como acontece com algumas lojas online.

“Essa medida teve eficácia comprovada nas vendas online num momento em que as pessoas não podiam ir à loja experimentar, então justamente aí é que os consumidores começaram a se medir, e isso demonstrou eficácia”, afirma Maria Adelina.

Enquanto a ABNT estuda formas de definir quais são as normas que funcionam no Brasil, o Inmetro é o órgão que regulamenta e fiscaliza esse funcionamento. Mas o instituto afirma que não possui uma regulamentação para a padronização de tamanho de roupa, conforme explica André Figueiredo, pesquisador tecnologista da Diretoria de Avaliação da Conformidade do Inmetro.

“O que temos é um regulamento técnico no Mercosul que faz com que as roupas sejam etiquetadas com a certificação de pelo menos uma indicação de tamanho, seja por numeração, letras ou medidas, e indicações de tratamento para cuidado”, informa.

De acordo com o pesquisador, definir esse tipo de padrão no Brasil pode ser mais difícil por causa da quantidade de itens importados vendidos aqui e pelos diferentes tipos de biotipo corporal entre homens e mulheres -fator que também impede padronizar tamanhos comparado a outros países.

Professora do curso de moda e têxtil da USP (Universidade de São Paulo), Cláudia Vicentini explica que a moda sempre foi pautada pelo corpo magro, com fortes referências da estética europeia, cujo biotipo corporal é diferente do brasileiro.

“A moda é muito subjetiva e importante para as mulheres, porque elas entram nas lojas para fazer uma compra, mas os valores simbólicos que elas atribuem aquele produto são muito grandes”, explica.

Como exemplo, ela cita que momentos de hipervalorização de uma estética magra, com pouca referência de mulheres com corpos mais curvilíneos, pode impactar a forma como uma consumidora lê determinada etiqueta.

“Essa é uma eternização que não tem a ver com o corpo brasileiro. Uma etiqueta, com um numerozinho, pode fazer uma mulher mudar completamente a vida, pode fazer com que, saindo da loja, ela já procure uma farmácia para comprar canetas emagrecedoras”, explica.

Influenciadora e empresária da moda plural, Ju Ferraz afirma que, para mulheres gordas, os desafios são maiores ainda na hora de saber qual o tamanho ideal de uma peça, em especial, em momentos de baixa quantidade de modelos acima do peso nas principais semanas de moda do mundo.

“Falamos muito de diversidade, inclusão e moda plural, mas a verdade é que a moda trata a moda plural quase como uma tendência”, explica Ju Ferraz.

“Essas marcas seguem uma onda de consumo, então fazem o que o público procura. Provavelmente, a geração atual deve estar mais magra, mas o ponto é entender por que essas pessoas estão mais magras”, diz Cláudia Vicentini.

A reportagem procurou a Renner, a C&A e a Riachuelo para comentar a padronização das roupas que vendem, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem.

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