SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Difíceis e travadas, as negociações em torno de um Tratado Global de Combate à Poluição Plástica ocorrem até domingo (1º) em Busan, na Coreia do Sul, no quinto e supostamente último encontro do INC (sigla em inglês para Comitê Intergovernamental de Negociações) sobre o tema.
A proposta é chegar a um consenso global legalmente vinculante entre mais de 170 países sobre como lidar com o aumento do lixo plástico no planeta. Trata-se de um resíduo que deve triplicar suas mais de 350 milhões de toneladas anuais até 2060. Parte dele vaza para o meio ambiente e desconhece fronteiras -fragmentos minúsculos já foram encontrados em diversas partes do corpo humano.
A dois dias do prazo final para a aprovação de um tratado, no entanto, algumas discordâncias parecem intransponíveis e já levantam a hipótese de que seja necessário um novo encontro do INC para se chegue a um acordo relevante.
“Não tem nenhum artigo inteiro validado ou consensuado. Está tudo ainda em negociação”, alerta Pedro Prata, à frente das políticas públicas para a América Latina da Fundação Ellen MacArthur, que acompanha o INC-5 em Busan.
Isso porque há pressão para que o tratado regule todo o ciclo de vida do plástico, ou seja, das matérias-primas à disposição final, o que movimenta as indústria química e do petróleo, mas também as corporações que produzem com plástico ou embalam seus produtos nele.
Representantes das indústrias acompanham as negociações como observadores e distribuem seus estudos sobre o impacto econômico bilionário de medidas de redução. A produção de plásticos dobrou nos últimos 20 anos no mundo.
Também o fazem as organizações da sociedade civil, que reúnem ambientalistas e cientistas para divulgar estudos sobre os danos ambientais e climáticos, além de riscos à saúde humana -uma frente de pesquisas tem revelado efeitos cada vez mais significativos, como em distúrbios hormonais.
A redução de produção ou eliminação de plásticos tidos como problemáticos e de aditivos químicos considerados nocivos à saúde humana, portanto, é um dos pontos maior divergência, assim como o debate sobre as fontes e os mecanismos de financiamento do tratado.
As principais barreiras a essas negociações vêm sendo impostas por países produtores de petróleo, como Arábia Saudita, Kuwait, Irã, Iraque, Rússia e China, que querem foco na gestão de resíduos do plástico, com destaque para a reciclagem. Apenas 9% do plástico é reciclado globalmente.
Um segundo grupo de países, em contraste, pede medidas ambiciosas, como a eliminação gradual de plásticos já proibidos em alguns países (canudos, sacolas descartáveis, talheres de uso único etc.), bem como de aditivos químicos apontados como prejudiciais à saúde. Este grupo é liderado por Ruanda e Noruega, do qual faz parte a União Europeia.
O Brasil, que não faz parte de nenhum dos dois grupos, também enfrenta suas divergências internas. Antes do INC-5, foi feito um acordo sobre as propostas do país entre os ministérios envolvidos no tema (Meio Ambiente, da Saúde, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Planejamento e Orçamento e das Relações Exteriores), além de Ibama e Anvisa.
Já em Busan, a delegação brasileira elaborou uma proposta para mediar as posições dos diferentes grupos quanto aos plásticos problemáticos e chegou a elaborar uma lista brasileira de produtos considerados passíveis de redução ou banimento.
A lista, no entanto, não foi enviada ao Pnuma (Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente) por um impedimento do representante do MDIC (Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio) na delegação, Washington Bonini.
Bonini chefia a área de indústria química da pasta e, segundo informações da Agência Pública, afirmou que o veto do envio da proposta brasileira foi motivado pela necessidade de avaliação dos impactos econômicos desses banimentos.
“Não existiu ainda um debate maduro com todos os atores no Brasil que permitisse fechar uma proposta consensuada sobre essas listas”, afirmou o secretário nacional de Meio Ambiente Urbano e Qualidade Ambiental do MMA, Adalberto Maluf, que integra a delegação em Busan.
“Nosso objetivo é construir um bom acordo que seja passível de ser aceito por todos os países. Precisamos continuar a negociar e construir consensos.”
Para Lara Iwanicki, da ONG Oceana, que acompanha o INC-5 como observadora em Busan, “o Brasil tem deixado a desejar no seu posicionamento, sobretudo em relação a produtos plásticos problemáticos”.
A Oceana é coautora de estudos sobre os impactos da poluição plástica nos mares e na vida marinha e defende, nacionalmente, o projeto de lei (PL 2524/22), que tramita na Câmara e pede o banimento de diversos tipos de plásticos descartáveis.
“Esse tem sido um ponto de diálogo e de frustração entre sociedade civil e governo aqui em Busan”, disse.
André Passos, diretor-executivo da Abiquim (Associação Brasileira da Indústria Química), que defende os interesses do setor como observador das negociações em Busan, diz que a indústria não é contra uma eventual redução gradual da produção de determinados produtos plásticos. “O que a gente diz é que tem que ter um processo de análise.”
Ele diz que há propostas na mesa “que vão de nada até quase tudo”. Cita discussões sobre limites na produção de plásticos e polímeros que teriam “um impacto, não só sobre a produção de plásticos, mas sobre a produção de todos os químicos da ordem de alguns bilhões de reais por ano”.
Na encruzilhada entre defesa do meio ambiente e da indústria, o tratado que pode ou não ser acordado em Busan nos próximos dias ainda é uma incógnita.
Nesta sexta (29), o embaixador Luis Vayas Valdivieso, presidente do INC, apresentou uma nova proposta que avança em uma série de definições básicas para o acordo. O enrosco é ilustrado, por exemplo, pelas oito propostas para a definição do que é plástico.
Ao mesmo tempo, o documento baixa a ambição do tratado justamente nos pontos contenciosos da redução de produção de plásticos e químicos problemáticos e no modelo de financiamento.
“O texto não reflete a ambição que mais de cem países têm expressado de forma clara e consistente. Ignorar propostas essenciais, como as relacionadas a produtos plásticos, produtos químicos preocupantes e disposições de governança é um retrocesso preocupante em um momento em que o mundo exige ação decisiva”, criticou Michel Santos, gerente de políticas públicas da ONG WWF Brasil.
Segundo Carlos Silva Filho, conselheiro da ONU para gestão de resíduos e ex-presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA, na sigla em inglês), o texto atual “adota um tom de carta compromisso para combater a poluição por plásticos, o que tem se mostrado ser o possível nesse momento de partida”.
Ele aponta que os itens ainda presentes no texto “transferem para a COP a responsabilidade de definir limites, padrões e obrigações”. “Ou seja, mantem-se uma certa ambição”, avalia.