SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A crise climática provoca também uma crise na área da saúde, que afeta majoritariamente pessoas negras e indígenas, segundo o boletim Saúde, Raça e Clima, produzido pelo CBJC (Centro Brasileiro de Justiça Climática), com apoio técnico e revisão do SUS (Sistema Único de Saúde) e do Ministério da Saúde.
O levantamento foi publicado na última quarta-feira (20), Dia da Consciência Negra.
O trabalho reúne relatórios técnicos e análises de dados para mostrar como a injustiça climática (expressão que se refere aos efeitos maiores do aquecimento global em grupos que contribuíram menos para a poluição do planeta) e o racismo ambiental (conceito de que minorias étnicas enfrentam riscos ambientais maiores) impactam negativamente o acesso à saúde.
Segundo a pesquisa, doenças infecciosas como dengue, malária e hepatite são as mais sensíveis às mudanças no clima e são especialmente frequentes em territórios negligenciados no saneamento básico de maioria negra e indígena.
Os dados do Censo Demográfico de 2022, divulgados pelo IBGE, mostram que 92% das pessoas amarelas e 83% das brancas declaram ter acesso a serviços de saneamento básico e instalações sanitárias, contra 75% das pessoas pretas, 69% das pardas e 29% das indígenas.
O boletim aponta ainda que as regiões Norte e Nordeste, que formam a maior densidade populacional autodeclarada negra e indígena, têm o menor índice de acesso à água potável, assim como uma maior incidência de situações críticas do ar, além de serem o epicentro dos maiores conflitos ambientais e violência de disputas por terra.
Conforme a análise, nas cidades, o processo histórico de marginalização para as áreas periféricas gerou estruturas públicas de segregação com desigualdades na oferta de trabalho, lazer, moradia, de equipamentos de cuidado à saúde e acesso a mercados para alimentação adequada e saudável.
As pessoas negras representam 73% dos moradores de favelas no Brasil, segundo o IBGE. Outro dado do instituto revela que 81% das internações no SUS são realizadas para a população negra, que é classificada como “SUS dependente”, por não conseguir acessar hospitais privados.
No campo, afirma o boletim, a exploração de recursos naturais em atividades como mineração, monoculturas agrícolas e garimpo ilegal tem resultado em contaminação dos ecossistemas, trabalho análogo à escravidão, além do empobrecimento dos povos e comunidades tradicionais.
“Dentro desse processo de análise dos dados e dos relatórios, a gente chega à conclusão de que há uma necessidade de enfrentar o racismo institucional impregnado nas instituições, sobretudo nas instituições públicas, pensando, por exemplo, o SUS”, diz Junior Aleixo, coordenador de pesquisa do CBJC.
Mesmo quando se aplica à transição para a energia limpa na ampliação de fontes renováveis como a solar, eólica e biomassa, que possuem menor impacto ambiental, as populações negras e indígenas são afetadas negativamente, conforme os pesquisadores.
A exploração do lítio, por exemplo, que emergiu como mineral estratégico para a confecção de baterias para carros elétricos e híbridos, impacta desde 2020 os moradores do Vale do Jequitinhonha (MG), região com maior reserva mineral do país.
Conforme o boletim, os moradores sofrem com impactos da exploração, que incluem a contaminação das águas, danos nas estruturas das casas, modificações das estradas e até a superlotação de equipamentos públicos de saúde.
Os municípios mineiros de Araçuaí e Itinga, ambos com mais de 70% da população autodeclarada negra, já tiveram o meio ambiente local significativamente alterado pela mineração, incluindo uma Área de Preservação Ambiental com mais de 130 nascentes e diversas espécies nativas.
O levantamento aponta também que a implantação de parques eólicos perto de comunidades de agricultores rurais no semiárido e em áreas litorâneas do Nordeste tem gerado adoecimento, perda do território e dos modos de vida.
As populações próximas aos parques estão enfrentando a Síndrome da Turbina Eólica já incluída no código internacional de doenças que causa problemas de concentração, tontura, instabilidade e falta de equilíbrio.
Reportagem recente da Folha mostrou que a síndrome afeta a saúde mental de vizinhos de parque eólico em Pernambuco.
Segundo Aleixo, a divulgação do boletim tem a intenção de repensar o processo de promoção de justiça climática e acesso à saúde de maneira integral para essas populações mais expostas à crise climática.
O Ministério da Saúde, que tem investido em pesquisas relacionadas aos impactos da mudança climática, reconhece o efeito desproporcional do fenômeno na saúde de pessoas negras e indígenas.
O boletim aponta, porém, que a política nacional de saúde integral da população negra, instituída pela pasta, foi adotada como uma instância específica apenas em 371 dos 5.570 municípios brasileiros em 2021.
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O projeto Excluídos do Clima é uma parceria com a Fundação Ford.