DUBAI, EMIRADOS ÁRABES UNIDOS (FOLHAPRESS) – A COP28, cúpula climática da ONU, alcançou uma vitória antecipada nesta quinta-feira (30), com os delegados de quase 200 países aprovando a adoção de um novo fundo para ajudar as nações pobres a lidar com desastres climáticos.
O presidente da COP28, Sultan al-Jaber, afirmou que a decisão enviou um “sinal positivo de impulso para o mundo e para o nosso trabalho aqui em Dubai”.
Ao estabelecer o fundo de perdas e danos no primeiro dia da conferência, que acontecerá nos Emirados Árabes até 12 de dezembro, os delegados abriram a porta para que governos anunciem suas contribuições. O fundo foi criado na COP27, conferência do ano passado, no Egito, mas não entrou em operação desde então.
Por enquanto, vários já o fizeram, dando início a uma série de pequenos compromissos que os países esperam que se somem em uma quantia substancial: US$ 100 milhões dos Emirados Árabes Unidos, país anfitrião da COP28, mais US$ 100 milhões da Alemanha, outros 125 milhões de euros (cerca de US$ 136 milhões) da União Europeia, pelo menos US$ 51 milhões do Reino Unido, US$ 17,5 milhões dos Estados Unidos e US$ 10 milhões do Japão.
A soma dos primeiros anúncios -cerca de US$ 414,5 milhões- fica distante dos US$ 100 bilhões anuais pedidos pelos países. A lacuna é ainda maior quando as doações são comparadas às perdas geradas por eventos climáticos extremos.
Em 2022, apenas os países da América Latina e Caribe perderam US$ 320 milhões por danos climáticos, segundo um estudo publicado pela Universidade de Delaware na última terça (28).
A conquista de recursos para o fundo de perdas e danos, que as nações mais pobres vinham exigindo há anos, deve, contudo, ajudar a facilitar outros compromissos a serem feitos durante a cúpula nas próximas duas semanas.
O passo neste primeiro dia de evento representa também um fortalecimento da imagem da presidência da COP28 após acusações de conflito de interesses. No começo da semana, documentos vazados revelaram planos dos Emirados Árabes para usar conversas com 15 nações -inclusive, o Brasil- no âmbito da cúpula para fechar negócios relacionados a petróleo.
Jaber nega ter feito uso dessas recomendações descritas em documentos.
“Escrevemos hoje uma página da história”, disse. “A rapidez com que o fizemos [a aprovação do fundo de perdas e danos] não tem precedentes.”
Para a diplomacia brasileira, a adoção do fundo já no primeiro dia de conferência sinaliza a habilidade política de Jaber para conduzir as negociações, servindo com um recado aos países de que podem confiar na sua mediação entre os blocos negociadores, a despeito das denúncias de que seu interesse na conferência seria fechar acordos em prol do setor de combustíveis fósseis.
Alguns grupos são, no entanto, cautelosos ao avaliar a implementação do fundo de perdas e danos. Eles observam que existem questões não resolvidas, incluindo como o fundo seria financiado no futuro.
“A ausência de um ciclo de reposição definido levanta sérias questões sobre a sustentabilidade de longo prazo do fundo”, disse Harjeet Singh, chefe de estratégia política global da Climate Action Network International.
“A responsabilidade agora recai sobre as nações ricas de cumprir suas obrigações financeiras de maneira proporcional ao seu papel na crise climática.”
Madeleine Diouf Sarr, presidente do grupo de países menos desenvolvidos, que representa 46 das nações mais pobres, saudou uma decisão que tem “enorme significado para a justiça climática”.
“Os países ricos agora precisam anunciar contribuições significativas”, disse Friederike Röder, da ONG Global Citizen.
Segundo o diretor de programas do Greenpeace Brasil, Leandro Ramos, ainda é cedo para avaliar a relevância do fundo de perdas e danos para o Brasil, pois os critérios de funcionamento do mecanismo ainda não estão definidos.
“Neste momento, o mais importante é garantir fluxos 100% baseados em doações, não em empréstimos, e com garantia de acesso célere e o mais direto possível às populações mais vulnerabilizadas”, afirmou à reportagem.
NA PRÁTICA
Os detalhes de funcionamento do fundo foram negociados por um comitê que se reuniu cinco vezes ao longo de 2023.
A mobilização de recursos dos países doadores, articulada por Jaber, ajudou a destravar um dilema sobre a operacionalização do fundo: criar um mecanismo próprio (o que levaria mais tempo) ou alocar o fundo dentro Banco Mundial (o que garante uma implementação imediata, mas torna sua gestão dependente de critérios do banco).
A decisão adotada nesta quinta-feira confere ao Banco Mundial a gestão do fundo por quatro anos, mas cria um conselho próprio para sua gestão, que deve seguir os princípios acordados na Convenção Quadro do Clima da ONU (a UNFCCC, na sigla em inglês). O conselho terá sua primeira reunião em 31 de janeiro.
O conselho será responsável por estabelecer, na prática, o que as negociações não conseguiram: o critério de elegibilidade para receber verbas do fundo.
Os países desenvolvidos -responsáveis históricos pelas emissões causadoras do aquecimento global e doadores do financiamento climático- temiam que uma definição ampla sobre o direito de receber ajuda para lidar com perdas e danos pudesse levar a uma conta impossível de se pagar.
Uma definição mínima aprovada na COP27 permitiu a criação do fundo: ele será destinado aos países “particularmente vulneráveis” -e não aos “mais vulneráveis”, como havia proposto o bloco rico.
A Convenção do Clima da ONU, assinada em 1992, traz uma definição ao reconhecer que “países com zonas costeiras baixas, áridas e semiáridas ou zonas sujeitas a inundações, secas e desertificação, e os países em desenvolvimento com ecossistemas montanhosos frágeis são particularmente vulneráveis a efeitos adversos das mudanças climáticas”.
Com essa definição, a princípio, economias emergentes como o Brasil também são elegíveis para receber verbas do fundo.
Como as contribuições são voluntárias, países em desenvolvimento também podem doar para o mecanismo. No entanto, o bloco tem se isentado de contribuir financeiramente, sob o argumento de que essa responsabilidade é das nações desenvolvidas.