CFM veta terapias hormonais para crianças e adolescentes: novas regras impactam tratamentos de incongruência e disforia de gênero

O Conselho Federal de Medicina (CFM) anunciou, nesta quarta-feira (16), a publicação de uma nova resolução que revisa os critérios técnicos e éticos para o atendimento a pessoas com incongruência de gênero e disforia de gênero. A medida, que foi divulgada no Diário Oficial da União, afeta diretamente a forma como profissionais da saúde devem proceder no tratamento de crianças e adolescentes transgêneros no Brasil.

Incongruência e disforia de gênero

A resolução define a incongruência de gênero como uma discordância persistente e acentuada entre o gênero vivido por um indivíduo e o sexo atribuído ao nascimento. Essa incongruência, no entanto, não necessariamente está associada a sofrimento. Já a disforia de gênero é caracterizada pelo desconforto grave ou sofrimento emocional causado pela incongruência.

Bloqueadores hormonais: restrições para menores de idade

Um dos pontos mais controversos da resolução é o veto à prescrição de bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes com o objetivo de tratar a incongruência ou disforia de gênero. No entanto, a medida ressalta que a proibição não se aplica a quadros clínicos já reconhecidos pela literatura médica, como a puberdade precoce ou outras condições endócrinas, nas quais o uso de bloqueadores hormonais é cientificamente indicado.

A decisão reflete a crescente preocupação com os impactos a longo prazo do uso de bloqueadores hormonais em jovens, cujos corpos ainda estão em desenvolvimento. O CFM destaca que o tratamento com bloqueadores deve ser restrito a essas condições específicas, e não à indução de um bloqueio hormonal para alteração da puberdade em crianças transgêneros.

Terapia hormonal cruzada: permissão apenas para maiores de 18 anos

A terapia hormonal cruzada, que envolve o uso de hormônios sexuais para induzir características secundárias alinhadas à identidade de gênero do paciente, agora será permitida apenas para pessoas com 18 anos ou mais. Além disso, o CFM estabelece que antes do início desse tratamento, os pacientes devem passar por uma avaliação médica rigorosa que inclua acompanhamento psiquiátrico e endocrinológico por no mínimo um ano. Avaliações cardiovasculares e metabólicas também devem ser feitas, e o tratamento só será autorizado se o paciente não apresentar doenças psiquiátricas graves ou condições de saúde que contraindiquem o uso de hormônios.

Cirurgias de redesignação de gênero: restrições para menores de 18 anos

Outro aspecto relevante da resolução é a restrição ao acesso a cirurgias de redesignação de gênero para pessoas transgêneros antes dos 18 anos, e em casos que possam resultar em esterilização, antes dos 21 anos. O CFM exige que essas cirurgias sejam realizadas somente após acompanhamento médico de, no mínimo, um ano, por uma equipe especializada. Além disso, os serviços que realizam esses procedimentos devem registrar os pacientes e fornecer essas informações aos conselhos regionais de medicina.

Acolhimento em casos de arrependimento e destransição

Em situações de arrependimento ou destransição (quando um paciente opta por reverter a transição de gênero), a resolução estabelece que o médico deve fornecer suporte adequado e acolhimento. O profissional também deverá avaliar os impactos físicos e mentais desse processo e, se necessário, redirecionar o paciente a especialistas.

Atendimento clínico específico para indivíduos transgêneros

O CFM também orienta que indivíduos transgêneros que mantêm órgãos correspondentes ao sexo biológico devem procurar acompanhamento médico especializado para a realização de exames preventivos e terapêuticos. Homens transgêneros que mantêm órgãos biológicos femininos devem ser acompanhados por ginecologistas, enquanto mulheres transgêneros com órgãos biológicos masculinos devem ser acompanhadas por urologistas.

Exceções para quem já está em tratamento

As novas regras não se aplicam a pacientes que já estão em tratamento com bloqueadores hormonais ou terapia hormonal cruzada. Esses pacientes poderão continuar com os tratamentos já iniciados, desde que sigam as orientações médicas estabelecidas.

Análise de especialistas e novas perspectivas

Durante a coletiva de imprensa que anunciou as novas regras, o presidente do CFM, José Hiran Gallo, ressaltou que a resolução foi aprovada por unanimidade pelo plenário do conselho. “Todos os 28 conselheiros presentes aprovaram essa resolução”, afirmou Gallo.

O médico ginecologista Rafael Câmara, conselheiro do CFM pelo estado do Rio de Janeiro e um dos relatores da resolução, destacou que o tema está em constante evolução, e que a resolução pode ser revista conforme novas evidências científicas surjam. Câmara também enfatizou os riscos associados ao uso de terapias hormonais em menores de idade, como aumento de doenças cardiovasculares, câncer, calvície, acne e outros problemas de saúde. Ele citou que países como Reino Unido, Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca, com sistemas de saúde robustos e progressistas, já proibiram o uso de bloqueadores hormonais para menores.

O médico também abordou o sobrediagnóstico de disforia de gênero entre crianças e adolescentes, mencionando que muitos dos jovens diagnosticados com disforia de gênero poderiam, no futuro, ser identificados como gays ou lésbicas, e não como transgêneros. Ele também criticou a prática de algumas instituições que incentivam a transição de crianças que afirmam ser transgêneras desde cedo.

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