BELO HORIZONTE, MG (UOL/FOLHAPRESS) – A celebrante Aline Ferreira abriu um boletim de ocorrência contra uma noiva após uma fala racista. A noiva também está processando a prestadora de serviços, por quebra de contrato. O caso aconteceu em Piracicaba (SP)
A noiva achou a celebrante por meio das redes sociais e a contratou para seu casamento. Durante as conversas, ela pediu indicações de outros fornecedores. Entre as indicações de Aline estava Soraia Martins, que é cerimonialista.
Dois dias depois, a celebrante perguntou se a noiva tinha entrado em contato com as indicações. A mulher respondeu que tinha chamado as pessoas, mas com uma exceção.
“Não chamei a Soraia, [porque] preferimos um time de pessoas brancas”, disse a noiva. Imediatamente, Aline reagiu, dizendo que preza pela liberdade e igualdade e recomendou à mulher que buscasse outra celebrante.
“É um valor inegociável para mim e minha empresa: não celebro para racistas, homofóbicos e intolerantes religiosos”, contou Aline em entrevista ao UOL. A celebrante afirmou que cancelou o contrato na hora, devolveu o valor pago e passou o contato para sua advogada.
Aline registrou um boletim de ocorrência contra a noiva. Ela afirma já ter representado, ou seja, autorizado a instauração de uma ação penal. “Por conta da denúncia e repercussão, a audiência foi marcada para sexta-feira (29)”.
“É o mínimo que eu posso fazer por ela, que é um ser humano incrível, e por cada preto que teve sua alma marcada pelas dores do preconceito. Na sociedade atual, não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Que as pessoas se sintam encorajadas a lutar pelo correto, sem medo. E que eu seja instrumento de retratação por cada lágrima que ela derramou”, disse Aline Ferreira.
A noiva está processando a celebrante por quebra de contrato. Ela exige o pagamento da multa que estava prevista. Aline afirma que já devolveu o dinheiro da noiva, mas que não irá pagar a multa. “O que ela fez é crime e eu não celebro para criminoso.”
O caso aconteceu em setembro, mas ganhou repercussão após o Dia da Consciência Negra. O nome da noiva não foi revelado, portanto não foi possível localizar sua defesa. O espaço permanece aberto.
RACISMO NA ÁREA DE EVENTOS
Soraia ficou sabendo do ocorrido quase um mês depois. Ela conversava com Aline sobre outro caso de racismo envolvendo uma amiga delas.
Na hora, ela disse que absorveu a informação, mas não conseguiu processar direito, devido à outra situação. Depois de um tempo, aquilo começou a incomodar. Ela, então, começou a chamar outros empresários do ramo, que também são pretos, para conversar sobre o assunto.
“Eu fui conversar com um outro colega do segmento, que é fotógrafo, e ele falou que já tinha sofrido também e que era comum. Outro, que é DJ, também falou que já tinha sofrido. E isso foi me deixando incomodada, pois conversando com um, com outro e com outro, todo mundo já sofreu algo nesse sentido. E a gente vai se acostumando a achar que está tudo bem. Mas não está tudo bem”, disse Soraia Martins, em entrevista ao UOL.
Segundo Soraia, o racismo na área de eventos é, principalmente, velado. Algumas pessoas podem se recusar a trabalhar com fornecedores negros, mas nem sempre expressam isso em palavras. “Só quando as pessoas expõem isso, às vezes de forma ‘ingênua’, sem consciência do que está falando, a gente vem saber o que aconteceu.”
No começo de outubro, Soraia reuniu outros empresários negros e criou um grupo de WhatsApp para falar sobre afroempreendedorismo. “Temos que fazer alguma coisa, não é possível que vamos ficar sempre só aceitando isso. Nós vamos lutar para crescer e para sermos protagonistas das nossas histórias.”