Câmeras de uniformes apontam extorsão, tortura e outros supostos crimes de PMs no RJ

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A câmera presa na farda de um policial mostra que ele está com um fuzil em uma viela de Araruama, na Região dos Lagos do Rio de Janeiro. Ele se depara com um jovem que aponta uma pistola prateada.

Sem atirar, o agente consegue controlar a situação; o jovem se rende e é algemado. O policial, no entanto, virou réu em agosto deste ano: as imagens gravaram o diálogo que ele teve com o suspeito já algemado e flagraram o momento em que ele se apropria de R$ 100.

Essa é uma das primeiras denúncias que utilizaram câmeras corporais de policiais militares como prova para a indiciação em um crime no Rio. O caso acima ocorreu em outubro de 2023. O preso foi apresentado à delegacia, mas o dinheiro que estava com ele, supostamente do tráfico de drogas, não.

Ao chegar na audiência de custódia, o suspeito disse que fora agredido pelo agente. A promotoria pediu as imagens para averiguar a denúncia. Não havia agressão, e as imagens mostravam a conversa entre o preso e o policial.

Nela, o suspeito afirma que o policial já o ajudou em outra ocasião, que dinheiro não é problema. O agente diz que o conhece de algum lugar e fala para ele ficar em silêncio por conta da câmera.

Com a insistência do preso em querer negociar, o policial pede para ele ter calma, e então pega o dinheiro que estava na mochila.

“Essa denúncia é um dos primeiros casos em que a câmera foi usada para provar a prática de um crime, que no caso nem havia sido denunciado. A câmera mostrou o momento em que o policial pratica peculato”, afirmou o promotor Paulo Roberto Mello Cunha Jr.

Desde 2021 o estado tem uma lei que determina a instalação de câmeras no uniforme de policiais, mas ela só passou a ser cumprida em sua totalidade após decisão do STF (Supremo Tribunal Federal), em janeiro deste ano.

De acordo com o promotor, em alguns casos os policiais passaram a tapar ou deixar o equipamento na viatura. Também há casos de agentes que usam cabos de celular para descarregar a bateria.

“Não há um crime tipificado para essas ações. Mas entendemos que como existe uma resolução da PM sobre a obrigatoriedade do equipamento, o descumprimento dela recai no crime de recusa a obedecer uma ordem, crime militar com pena prevista de detenção de 1 a 2 anos”, disse Mello Cunha Jr.

O primeiro caso denunciado pela recusa de obediência ocorreu em Itaboraí, na região metropolitana da capital; os réus são quatro policiais. As imagens mostram quando eles entram no terreno de uma casa sem permissão após terem visto um homem correndo.

Era 8h30, e apontando um fuzil eles dão bom dia aos moradores de uma casa. Em seguida, entram em outra residência, onde está um homem deitado na cama com a filha de sete anos. A criança, assustada, se enrola no lençol e fica em um canto do quarto, enquanto o pai é revistado.

Os agentes, então, passam a entrar e sair da residência sem as câmeras —uma imagem mostra que um dos policias ficou do lado de fora da casa, com duas câmeras na farda. Um dos equipamentos era de um agente que estava no interior da residência com o suspeito.

Após cerca de 30 minutos, os agentes afirmam que encontraram drogas no terreno e o homem diz, já sendo filmado, que seria traficante de drogas.

A promotoria entendeu neste caso que houve “abuso de poder e violação inerente ao cargo, em serviço”, após a entrada sem ordem judicial na residência. Outra denúncia foi oferecida em separado por eles terem tirado a câmera.

Em outro caso, as imagens flagram agentes que estavam na Lei Seca confessando a um superior que extorquiram uma motorista em R$ 300. A motorista havia procurado outra viatura para denunciar o crime. O policial preso chega a pedir a um superior para devolver o dinheiro e assim resolver o caso, mas o capitão diz que que ele está com a câmera e será conduzido para a corregedoria.

Imagens de uma suposta tortura também estão sendo analisadas pela promotoria. Nelas, dois policiais batem em um suspeito de roubo. Na sequência, os agentes permitem que outras pessoas continuem as agressões.

Em alguns casos as imagens foram usadas para provar a inocência de falsas acusações contra policiais. É o que ocorre quando presos afirmam em audiência de custódia que foram agredidos para tentar tornar a prisão ilegal, mas as câmeras mostraram a legalidade das ações.

As imagens não podem ser acessadas pelos policiais militares e são vistas ao vivo pela corregedoria. A câmera funciona como uma espécie de rádio. Testes são feitos aleatoriamente, chamando o policial pelo nome.

O promotor considera impossível acompanhar todos os diálogos. “Mas com a câmera, se um policial cometer um desvio de conduta a chance dele ser indiciado será maior. Aquele agente que pega um dinheiro a primeira vez e nada ocorre, depois pega a segunda…uma hora ele será flagrado pela corregedoria nas câmeras e será preso”, afirma.

Em nota, a Polícia Militar afirmou que “a implantação das câmeras corporais é um dos principais pilares do programa de transparência na área de segurança pública. Implantadas ao longo de 2022 e hoje disponibilizadas em todas as unidades operacionais da corporação, as quase 13 mil câmeras em operação registram a atuação diária dos policiais.”

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