SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Após ter atravessado uma pandemia e as mortes de seus fundadores, o Bolo do Bixiga chega neste ano à 40ª edição. Após diferentes modelos e tamanhos, a festa continua, na opinião de participantes, a manter o espírito de união da comunidade, apontado por eles como diferencial do bairro na região central de São Paulo.
Apesar do nome consagrado no singular, na prática não há mais um bolo do Bixiga, e sim centenas a meta este ano é chegar a 471 bolos doados para a celebração, que ocorre neste sábado (25), data do 471º aniversário de São Paulo.
Segundo organizadores, os 40 anos da festa tanto celebram o legado do bairro quanto mantêm seu caráter comunitário em meio às mudanças da cidade.
E quem comprou o desafio para a meta de bolos já está com a mão na massa, como Eliana Santos da Silva, 47. Moradora do bairro há 15 anos, ela já frequentava o Bixiga desde 1995, quando se mudou de Vitória da Conquista (BA) para São Paulo.
“No ano passado entreguei oito bolos, esse ano quero entregar dez. E aí começa a correria, porque são bolos grandes, eu gosto de fazer, acho muito da hora”, diz a comerciante, dona do Eliana Burguer & Restaurante, também no bairro, que recebe mensalmente uma roda de samba.
Assim como o trabalho no restaurante, sonho que ela tem construído aos poucos, a confecção do bolo é familiar, com ajuda de uma das filhas e da mãe. Eliana ensaia modéstia ao dizer que nunca foi boleira profissional. “O pessoal que me conhece fala que vai ficar perto do meu bolo para a hora de comer.”
A morte de Walter Taverna, em 2022, adiou a festa de 2023 e foi muito sentida pela comunidade, lembra Eliana. Ele conduzia a festa com o amigo Armandinho Puglisi, morto em 1994. Segundo os organizadores, que também citam depoimento da filha de Armandinho, ele teve a ideia e a colocou em prática em 1985. “É uma festa muito bonita, faz parte do bairro, tem que ter. Precisa da colaboração de muita gente, que a comunidade se envolva, mas é bonito”, diz Eliana.
Para a neta de Walter, a cineasta Thais Taverna, 42, o desafio hoje é que as pessoas entendam o valor da tradição, inclusive para o futuro da rotina no bairro. “Como manter por mais dez, 20 ou 30 anos é a pergunta que me faço, porque a cidade está se descaracterizando, com muitos prédios, deixando de existir as casinhas e as comunidades.”
Mas quem comparecer à rua Rui Barbosa, na altura do número 300, neste sábado, vai encontrar forte espírito comunitário, porque todos que pensam e fazem a festa moram ali, diz Thais, que coordena o trabalho.
O evento começa às 9h. Os bolos serão recebidos por voluntários até as 11h e, ao meio-dia, após uma bênção ecumênica, serão cortados e distribuídos ao público. Há alguns anos a festa substituiu o gigantesco bolo único por várias unidades doadas por quem quiser levar.
Também haverá apresentações musicais como as do DJ Papaleo, da festa Mundo Pensante, a Trupe Baião de Dois, do músico Anderson Sono, e da Bateria 013, comandada pelo mestre Guinho Mks.
O nome artístico é de Marcos de Souza, 35, responsável pelo projeto surgido em 2016 para preservar o toque de bateria de escola de samba do bairro, a Vai-Vai.
“Foi lá que aprendi tudo que é samba, e o projeto veio para a gente continuar ensinando essa cultura por meio da bateria. Sempre começa em abril e vai até fevereiro do ano seguinte. São dez meses de preparação para todas as faixas etárias.”
Preservar essa cultura, diz Guinho, é fundamental para manter vivo o samba no bairro. A apresentação da Bateria 013 tem de 50 a 70 integrantes. “A principal mensagem é a união.”
Essa rotina atrai até quem já andava por outros bairros da cidade. É o caso da Livraria Simples, que organiza também uma feira de trocas de livros durante a celebração deste sábado.
Inicialmente estabelecida na Mooca, foi para o Bixiga após um dos sócios herdar uma casa. “No final de 2017 ele falou e se a gente mudasse a livraria pra cá? E foi das coisas mais legais que aconteceram até agora”, diz Adalberto Ribeiro, 43, o Beto, um dos sócios do empreendimento, localizado na rua Rocha.
Beto valoriza a manutenção da livraria fora de locais badalados no mundo literário paulistano, como Pinheiros e Vila Madalena.
Logo que chegaram, juntaram-se a um grupo de moradores e agitadores culturais, o que acelerou a integração do espaço ao Bixiga. É nessa disposição que a livraria organiza, no começo de maio, uma feira de cultura e literatura com duração de três dias, junto com outras organizações do bairro. O objetivo, segundo Beto, é fazer mesas de discussão na rua e atrair quem é ou ficou distante dos livros.