O beija-flor, conhecido por seu “beijo” delicado que fertiliza plantas e espalha pólen pela vegetação, enfrenta sérias ameaças no Cerrado, um dos biomas mais ricos do Brasil. De acordo com o biólogo e fotógrafo Marcelo Kuhlmann, a combinação do desmatamento, impulsionado pela expansão do agronegócio, e as mudanças climáticas coloca em risco tanto o beija-flor quanto a biodiversidade do Cerrado.
Após mais de uma década de imersão na região, Kuhlmann publicou o livro Cerrado em Cores: Flores Atrativas para Beija-Flores, uma obra que reúne 750 páginas e traz o resultado de suas pesquisas sobre a relação entre os beija-flores e as flores do bioma. “Organizei o livro de forma didática, por cores das flores e épocas de floração”, explicou o autor. A publicação, de capa dura e acabamento especial, foi financiada por meio de crowdfunding e é uma das mais completas obras sobre o bioma.
Desmatamento e mudanças climáticas: os maiores vilões
Para Kuhlmann, a maior ameaça ao Cerrado é o desmatamento, principalmente com foco nas grandes monoculturas de soja e milho. “Nos últimos 70 anos, o Brasil perdeu mais da metade da vegetação nativa do Cerrado. Quando viajo pela região, vejo vastas áreas de monocultura que colocam em risco toda a biodiversidade”, lamenta o biólogo.
Além disso, as mudanças climáticas também afetam o equilíbrio do bioma. O pesquisador alerta para os impactos no ciclo de floração das plantas, essencial para a sobrevivência dos beija-flores, que dependem de flores específicas durante o ano todo. “Se a floração não ocorrer nos períodos certos, podemos comprometer a alimentação desses polinizadores”, afirmou Kuhlmann.
Visão aguçada e papel fundamental na polinização
O beija-flor, com sua visão de cores altamente desenvolvida, capaz de enxergar até o ultravioleta, é atraído por flores de cores vibrantes, mas também por aquelas de tamanhos menores e mais discretos. “Essas aves são importantes polinizadores no Cerrado, onde de 80% a 90% das espécies nativas dependem de polinização por animais”, explica o biólogo.
Em sua pesquisa, Kuhlmann identificou 41 das 89 espécies de beija-flores do Brasil, muitas das quais têm uma relação simbiótica com as plantas, na qual as flores evoluíram para atrair as aves e vice-versa. O pesquisador destaca que, sem essa biodiversidade, a sobrevivência do Cerrado, com sua rica fauna e flora, seria comprometida.
O papel do beija-flor na manutenção do Cerrado
De acordo com Kuhlmann, o beija-flor não é apenas um polinizador: ele é um “plantador” natural, pois ao espalhar o pólen de uma planta para outra, ajuda na germinação de diversas espécies. Isso é crucial para a regeneração da vegetação nativa do Cerrado, considerado o “berço das águas” do Brasil, responsável por abastecer diversas bacias hidrográficas.
Em suas expedições pela região, Kuhlmann observou a raridade de algumas espécies de beija-flores, como o Phaethornis nattereri, um raro beija-flor encontrado na fronteira do Cerrado com o Pantanal. “Esses avistamentos são preciosos. A conservação só é possível com o devido conhecimento sobre a fauna e flora do Cerrado”, destacou.
O futuro do Cerrado e a necessidade urgente de preservação
Kuhlmann acredita que a imagem do Cerrado como uma região árida e sem vida é equivocada. Embora o bioma tenha sofrido mudanças ao longo dos anos, como retratado na obra de João Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas, ele ainda guarda grande importância para o Brasil, especialmente na preservação dos recursos hídricos. “A perda do Cerrado pode resultar em um déficit hídrico significativo para o Brasil. Precisamos urgentemente proteger esse ecossistema”, alerta.
O livro de Kuhlmann visa dar visibilidade a essas aves e promover a conscientização sobre a importância de conservar o Cerrado, não apenas pela sua biodiversidade, mas também pelo papel crucial que esse bioma desempenha na manutenção da vida no Brasil.