Arnaldo Antunes mostra sua intimidade em exposição com rascunhos poéticos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um dos maiores hits da carreira do cantor Arnaldo Antunes é “A Casa É Sua”, lançada no álbum “Iê Iê Iê”, cuja letra convida a uma visita. Depois, ele gravou um DVD num palco montado em sua residência, que ganhou o nome “Ao Vivo Lá em Casa”. Agora, uma exposição de poesia visual, notadamente caligrafias, no Instituto de Arte Contemporânea (IAC), em São Paulo, leva mais uma vez os interessados à intimidade do artista.

Cercado por dezenas e dezenas de rascunhos de sua autoria, Arnaldo olha para as paredes cobertas por pedaços de papel e concorda. “É um pouco como eu fiz ao abrir a minha casa para o DVD. Aqui estou abrindo minha intimidade, essas coisas estavam quietas em casa antes de virem para cá.”

Esses trabalhos em tinta sobre papel expostos na sala correspondem à metade da mostra. Ao buscar pontes e relações entre a obra de Antunes e o acervo do IAC, o curador Daniel Rangel decidiu montar um “espelho arquitetônico”. “Não quis colocar as obras lado a lado. Fiz essa opção de criar duas salas, uma que abrigasse o trabalho do Arnaldo e, outra, o acervo do IAC. A ideia é que as salas vibrem de forma parecida”, diz.

Curador e artista trabalharam juntos em quatro eventos, desde 2001. Antes da pandemia, ele disse a Rangel que gostaria de expor seus rascunhos. A ideia foi arquivada e, há dois anos, o IAC cruzou o caminho da dupla, conta o curador.

“No ano passado, uma das diretoras do IAC, Têra Queiroz, me convidou para pensar uma exposição no instituto. Na hora eu falei de Arnaldo. Foi uma junção do desejo dele e do meu entendimento que era o contexto perfeito para expor os rascunhos, devido à coleção do IAC. Não existe uma outra instituição em São Paulo que tenha um acervo composto não por obras, mas pelos processos de criação dessas obras.”

A série do IAC ajuda a rodar seu acervo para o público. Em 2022, a primeira mostra dessa série, “Diálogos Contemporâneos: Marilá, Willys, Lothar”, reuniu trabalhos de Marilá Dardot, alguns produzidos durante a pandemia, e rascunhos e documentos de Willys de Castro e Lothar Charoux, dois dos 19 artistas com acervos no IAC.

Depois que Arnaldo selecionou os lotes, entre pastas, caixas e gavetas, tudo foi trazido ao instituto. Rangel foi então ao material do IAC e diz ter conseguido uma espécie de linha do tempo.

“São artistas que de certa forma forjaram Arnaldo. Você começa com os que fizeram a primeira Exposição Nacional de Arte Concreta, a primeira vez que poemas foram expostos em paredes. A geração seguinte é a de Regina Silveira, Carmela Gross, Antonio Dias, uma geração multidisciplinar por natureza. Arnaldo é o que vem logo depois. Quando as obras foram para esses espaços que a gente fez, isso ficou muito evidente.”

“É uma exposição que se costuma fazer depois que a pessoa morre”, afirma o artista. “Então, é um privilégio participar da seleção e fazer isso em vida.”

Arnaldo destaca que é um arquivo vivo, ao qual ele recorre quando busca novas criações. “A minha produção se dá muito materialmente. Não sou aquele criador que concebe tudo e quando materializa já está pronto. Trabalho com muitas versões, mudando, transformando, usando um pedaço daquilo em outra coisa.”

Ele explica que o material no IAC tem esboços de coisas que viraram canções, objetos, vídeos e poemas publicados. Mas tudo sempre parte do papel e da tinta. Nanquim, tinta de carimbo, canetas de vários tipos, pena, tinta de caligrafia. Há escrita com tubo de tinta e com pincel, colagem cortada com tesoura ou rasgada com a mão. Os suportes são vários tipos de papel, até papel higiênico, guardanapos e lenços de papel, estes que Arnaldo define como “papel de arroz de pobre”. “Ele tem uma absorção maior da tinta, uma maior porosidade. Fiz experiências com isso.”

Para Arnaldo, a caligrafia é um universo fértil de experimentação, que tem correspondência com os recursos da fala e do canto. “É como se a disposição das letras, a curvatura do traço, o tremor da mão e a velocidade fossem indicações de entonações gráficas, sugerindo sentidos para ler além da palavra que está grafada ali. A voz é emitida pelo corpo, e o traço manual também, como se a caligrafia fosse o rastro do gesto, a incorporação do movimento no papel.”

É óbvio que a fama como cantor atrai visitantes. “Com Arnaldo, a gente consegue alcançar um público diferente”, afirma Rangel, ao se lembrar de pessoas chegando a alguma mostra de Arnaldo e se surpreendendo com a poesia visual, já que esperavam algo sobre sua carreira musical, com fotos de shows ou roupas usadas no palco.

Para o artista, isso é algo positivo. “Eu não tenho uma prioridade. Uma coisa não veio antes da outra. Desde muito novo eu me interessava por poesia visual e por canção, e essas coisas estavam num diálogo muito fecundo no Brasil dos anos 1970. Comecei a ter aulas de violão ao mesmo tempo que comprava revistas de poesia. Essas fontes todas se juntavam numa espécie de visão de contracultura que me atraía, um pouco da coisa de vanguarda, mais marginal.”

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