BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, encontrou-se ao menos cinco vezes com grupos de terreiros até outubro deste ano, quando o desempenho da pasta criada em janeiro de 2023 motivou cartas de representantes de entidades de matriz africana ao presidente Lula (PT) com críticas e apoios. Entre as críticas, os autores citaram descaso e falta de diálogo.
Na agenda oficial de Anielle consta sua participação em dois eventos realizados no ano passado e três em 2024. Ao todo, o MIR (Ministério da Igualdade Racial) promoveu oito encontros de maior porte com os grupos em questão e 50 missões a territórios de povos tradicionais de matriz africana e terreiros.
Para especialistas ouvidos pela reportagem, fatores como tempo de existência da pasta, orçamento e conjuntura política no Congresso dificultam uma avaliação sobre a gestão. Por outro lado, é enaltecido o simbolismo de um ministério da igualdade racial em funcionamento.
Procurado, o ministério disse que todos os compromissos com povos e comunidades tradicionais de matriz africana têm a participação de Anielle.
“Quando não presencialmente, a ministra realiza articulações permanentes e mantém contato direto com a equipe da diretoria de Diretoria de Políticas para Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e de Terreiros (DPTMAT), criada desde janeiro de 2023 por demanda dela mesma e com função de atender exclusivamente esse grupo”, diz a pasta em nota.
O ministério afirmou ainda já ter em vista novos compromissos com as comunidades tradicionais de matriz africana.
Além dos eventos maiores e missões em território, o MIR disse ter realizado 15 reuniões com lideranças e 24 acolhimentos e recepções de denúncias de racismo religioso, por meio da DPTMAT.
Criada no terceiro mandato de Lula, a pasta comandada por Anielle traz como atribuições a elaboração de políticas e diretrizes destinadas à promoção da igualdade racial e étnica, políticas de ações afirmativas e combate e superação do racismo, políticas para quilombolas, povos e comunidades tradicionais, entre outras.
Ao longo de todo o período de governo, a pasta enviou dois projetos de lei, um para a Câmara dos Deputados e outro direto para a Presidência da República.
Para o Legislativo, o ministério enviou o projeto de lei que se tornou lei e instituiu o Dia Nacional Marielle Franco de Enfrentamento da Violência Política de Gênero e Raça para 14 de março, data do assassinato da vereadora e irmã da ministra.
A pasta também participou da articulação do projeto de lei que determinou como feriado nacional o Dia Nacional da Consciência Negra em 20 de novembro.
Para Lula, a pasta enviou o PL 1958/2021, que reserva às pessoas pretas e pardas, indígenas e quilombolas o percentual de 30% das vagas oferecidas nos concursos públicos. O projeto aguarda apreciação no Plenário da Câmara.
A pesquisadora Juliana Marques, do Geema (Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa) sinaliza a questão orçamentária como fator determinante nas possibilidades do ministério, que começou com um orçamento de R$ 89 milhões em 2023, frente a R$ 172 milhões, em 2024.
“Esse orçamento quase dobrou e é, sem dúvidas, resultado da gestão, da implementação das políticas públicas de igualdade racial que foram propostas pelo MIR”, diz. “Apesar de o orçamento ter quase dobrado de um ano para o outro, continua sendo o menor entre todos os ministérios.”
“Se olharmos a legislatura passada, a maioria dos projetos de lei que foram apresentados pelo Legislativo foram projetos que tinham como objetivo ou abolir ou alterar as cotas, para diminuir o seu alcance”, observa o cientista político João Feres Júnior, da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
“Dado o fato de o Congresso ser muito conservador, ficar abrindo pautas sobre igualdade racial para deliberação parlamentar pode ser um enorme risco”, analisa.
“O papel do ministério nesse momento da história brasileira é mais de um momento de defesa das políticas conquistadas, expansão das políticas conquistadas e um valor simbólico enorme de ter um ministério da igualdade racial funcionando.”
A carta que criticava Anielle foi assinada um mês após uma reunião da ministra com representantes do segmento, em que foram assinados projetos aprovados em edital voltado à área de matriz africana.
Entre as entidades participantes estiveram Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu (Acbantu), Rede Nacional de Religiões Afro-Brasileiras e Saúde (Renafro), Rede AfroAmbiental, Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-brasileira (Cenarab), Fórum Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional dos Povos de Matriz Africana, Mulheres de Axé e Coordenador Geral do Ilabantu.
Destes grupos, a Renafro, o Fórum Nacional e o Mulheres de Axé assinaram a carta em apoio a Anielle. As demais entidades não assinam nenhuma das duas manifestações.
No documento contrário a condutas da ministra à frente da pasta, os grupos alegavam “descaso total”, queixavam-se da falta de diálogo e criticavam a demissão de Yuri Silva do Sinapir (Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial). Silva era ligado ao ex-ministro dos Direitos Humanos Silvio Almeida, demitido após acusações de importunação sexual.
A carta pró-Anielle, por sua vez, afirmava que o ministério tem desempenhado papel crucial no diálogo com essas comunidades. Também lembra que a denúncia de Anielle junto a outras mulheres gerou “uma tentativa de desqualificação das denunciantes”, segundo os autores da carta.
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COMPROMISSOS DA MINISTRA COM POVOS DE TERREIROS
– Solenidade de Assinatura | Adesão das 30 comunidades de terreiros contempladas no Edital Mãe Gilda de Ogum. Iniciativa: Ministério da Igualdade Racial/Fiocruz (3 de setembro de 2024).
– Escuta Ativa | Lideranças de Movimentos de Terreiro (14 de junho de 2024)
– Encontro Nacional dos Povos e Comunidades de Matriz Africana e de Terreiros: Do Acesso aos Direitos à Efetivação de Políticas Públicas (22 de março de 2024)
– 1º dia Encontros Regionais – Abre Caminhos pelo Brasil” | Diálogo com representantes e lideranças dos Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana e Povos de Terreiro do Brasil.” (19 de julho de 2023)
– Reunião com Líderes Quilombolas | Ações da Secretaria de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos (SQPT) (5 de janeiro de 2023)