A maternidade é um terremoto, diz a mexicana Jazmina Barrera

PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – A gravidez foi um terremoto na vida da mexicana Jazmina Barrera, e isso não é só maneira de falar. “Estávamos vendo minha barriga se mexer com os chutes do bebê e nessa hora tudo começou a se mover”, ela escreve em “Linea Nigra” (Moinhos). “Já certos de que era um terremoto de fato e não um alarme falso, saímos correndo. Peguei as chaves de Alejandro porque ele demora mais do que eu para abrir a porta, e então eu corri.”

Será que deveria ter esperado o marido? Talvez sim, mas tudo bem. “Ser egoísta quando você está grávida é o mesmo que não ser. Cuidar de mim é cuidar de mais outra pessoa.”

Esta poderia ser apenas a história de Jazmina e Alejandro, um casal como tantos, descobrindo antes mesmo do primeiro filho nascer a maratona que é se tornar responsável por um novo ser. É isso, mas acabou virando também uma tabela literária entre dois grandes escritores da língua espanhola, a mexicana Barrera e o chileno Alejandro Zambra.

Silvestre, hoje com seis anos, prefere chamá-los de mamãe e papai. Pois mamãe falará neste sábado (11) em Paraty, no Rio de Janeiro, numa mesa da Flip com a brasileira Ligia Gonçalves Diniz.

Barrera lançou primeiro, em 2020, seu “Linea Nigra”, título que remete a uma linha vertical escura que colore a barriga da mulher na gestação, cortesia das taxas elevadas de estrogênio no corpo. Três anos depois, Zambra publicou “Literatura Infantil: Cartas ao Filho”, da Companhia das Letras.

O ano era 2017 quando um sismo matou centenas em seu país natal, e Barrera lá, grávida, tentando se entender como futura mãe. A maternidade, tal qual um terremoto, é uma “pequena reconstrução”, uma “criação a partir de ruínas do que você era antes”, ela diz à Folha. “E há algo lindo nisso. Uma oportunidade de repensar quem você é no mundo.”

As memórias que guarda dos primeiros anos do filho, como placas tectônicas a se chocar umas contra as outras, podem ser “amigáveis” ou “um pouco mais terríveis”. Silvestre muda a toda hora, às vezes lhe parece que na velocidade da luz, e ter um livro sobre esse começo cai bem. “Gosto que há um documento para o qual eu posso voltar para como eu me sentia quando ele era muito pequeno.”

Manuais que pretendem ensinar macetes para gabaritar a maternidade podem aborrecer. Não há um padrão do que se esperar de uma mãe, tampouco do bebê que ela carrega, como a mexicana aponta no início do livro ao comparar uma gravidez a uma fruteira. “Os aplicativos lhe dizem a cada semana com que fruta o feto se parece conforme vai crescendo. São estrangeiros, não levam em consideração a variedade de frutas que há no México, os diferentes tamanhos de manga e abacate que existem.”

De “Manifesto Antimaternalista”, de Vera Iaconelli, a “As Abandonadoras”, de Begoña Gómez Urzaiz, multiplicam lançamentos recentes questionando a ideia de que mulheres nascem com instinto materno é uma balela que a sociedade conta para convencê-las a assumir o papel de cuidadora principal da prole. Barrera concorda, embora não descarte por completo o elemento biológico que liga uma mãe à criança. “Há estudos sobre como o cérebro muda quando você está cuidando de um filho pequeno.”

Claro que a cultura ao redor conspira para lapidar esse afeto. Até as tais frutas-bebês. Quando fez um ultrassom nas primeiras semanas da gestação, ouviu da enfermeira que a coração do filho batia muito forte. “É difícil não se apaixonar por um ser do tamanho de um mirtilo que tem um coração, que é quase por completo um coração que bate forte.”

Seu livro mais recente, “Caderno de Faróis” (Moinhos), fala dessas estruturas que evocam a imagem de algo no qual a autora por vezes gostaria de se tornar: “Frio, insensível, sólido, indiferente”. Ao vê-los, escreve Barrera, “sinto que posso realmente me petrificar e desfrutar daquela paz absoluta das rochas”.

Uma atitude à primeira vista egoísta e arrogante, “a de quem observa por cima”, mas que tem suas contradições, diz. Daí seu fascínio por faróis reais ou imaginários –como o de Alexandria, uma das sete maravilhas do mundo antigo, ou o que Virginia Woolf apresenta em “Ao Farol”, com lembranças da construção que avistava na juventude, da casa de praia da família.

São estruturas grandiosas que “combinam esse desprezo, essa misantropia, com a tarefa de orientar, ajudar e resgatar os outros”, afirma a autora. Se um terremoto devasta para depois reconstruir, o farol permanece indiferente às ondas rebentando à sua volta.

“Há tantas coisas fascinantes em faróis quando você é escritor que é quase um clichê ser fascinado por eles”, diz.

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